O biólogo Leo Malagoli em laboratório na Unesp Rio Claro com as espécies de Hylodes

Lucas Calore

Descobrir novas espécies de animais em pleno século 21 parece uma tarefa das mais árduas para a comunidade científica. Ainda mais em se tratando do cenário brasileiro, onde as matas estão cada vez mais sendo dizimadas pela ação do homem.

Entretanto, biólogos doutorandos da Unesp Rio Claro provaram há alguns dias que é possível sim realizar tal feito. Um artigo do cientista Leo Malagoli, de 42 anos, em colaboração com outros pesquisadores, foi publicado na revista científica Herpetologica, em que se descreve a descoberta da Hylodes caete, ou Rã de Corredeira.

A espécie é ‘prima’ da Hylodes phyllodes, a qual era confundida com a Caete durante mais de 20 anos. Ao colocar uma ao lado da outra, há diferença perceptível no tamanho dos machos e também funciona para as fêmeas. “Chama totalmente a atenção. Em média, a Phyllodes tem 27 mm e a Caete 32 mm. Mesmo quando vemos a variação entre os machos, do mínimo ao máximo, não há sobreposição entre as duas espécies”, detalha o biólogo, que faz doutorado em Zoologia na unidade da Cidade Azul.

A suspeita

Na década de 1990, o também biólogo Célio Haddad – hoje orientador de Malagoli -, se deparou com a espécie Caete em Paranapiacaba, um distrito de Santo André, na região metropolitana da capital paulista, que abrange trecho de serra.

Entretanto, cerca de 15 anos depois, quando o aluno foi a campo em 2005 para coletar dados para seu mestrado na época, começou a registrar a presença desse animal em outro lugar, no Parque Estadual da Serra do Mar, no Núcleo Curucutu, em Itanhaém, longe da área praiana e a cerca de 100 km do local onde Haddad a viu anteriormente. “Estamos falando da mesma porção do território, na mesma serra, sendo que Haddad a viu ao norte e eu um pouco mais ao sul. O animal que eu vi cantava de uma maneira diferente. O Phyllodes canta de uma maneira ‘engasgada’ e o Caete mais continuamente. Dá para perceber bem a diferença”, afirma Malagoli.

O biólogo declara que havia um problema na descrição de 1986 do Phyllodes em relação ao tamanho, que indicava ser muito maior do que parecia. O biólogo começou a medir uma infinidade de indivíduos e constatou que, na verdade, não era maior. “Na série usada para a descrição havia unidades que não eram Phyllodes e acabaram criando um ‘ruído’ no estudo. Observando uma medida que fazia mais sentido, pude afirmar que o tamanho diferenciava uma espécie de outra”, explica.

Longo caminho

Em 2014, quando Malagoli já estava no doutorado, retornou àquela região e se deparou novamente com a espécie diferente. Exemplares do animal foram observados em coleções e museus e, com o auxílio dos outros biólogos, incluindo o orientador Célio Haddad, o pesquisador deu uma atenção especial à suspeita.

Fábio de Sá colaborou no estudo com a análise genética do animal. “É interessante complementar essas informações fenotípicas – de canto, padrão de coloração, entre outros – também com informações genéticas. Quando comparamos o DNA do Caete com de espécies mais próximas, ele agrupa como uma entidade distinta e que ainda não tinha nome”, ressalva.

Com o resultado das análises, então, foi possível descrever a nova espécie de rã. “São espécies de hábitos diurnos. O Caete ocorre em riachos mais largos, entre dois e dez metros de largura. Gostam de ficar cantando expostos sobre as pedras ou empoleirados em até dois metros de altura, em encostas e regiões de cachoeiras. Ao contrário do seu primo Phyllodes, que ocupa riachos de meio metro de largura até riachos acima de dez metros de largura”, completa Malagoli.

Conservação

A importância de tal registro promove reflexão nos biólogos. “É muito representativo e apelativo. É uma espécie de carne e osso, um vertebrado, sendo descrito na maior cidade das Américas. Num primeiro momento as pessoas ficam felizes. Mostra o quanto a gente desconhece e o quanto ainda tem a ser feito. As pessoas não conseguem associar que a presença desses animais pode refletir na melhora da qualidade de vida delas. Seria importante que elas conhecessem mais os bichos que habitam seus quintais. Eu coletei esses animais numa área de preservação ambiental. O problema ambiental é um problema social”, diz Malagoli.

“Percebemos que ainda não temos o conhecimento total da biodiversidade brasileira. E, se não conhecemos, não há como protegermos e fazermos bom uso dela, em todos os aspectos”, finaliza De Sá.

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