Folhapress/ Rogério Pagnan

O investigador colocou no saquinho do teste colorimétrico uma pequena porção da substância que jurava ser cocaína. Depois de adicionar e chacoalhar o reagente, o material não ficou azul como esperado, mas com um estranho marrom escuro. “Deu zoado”, admitiu o policial, conforme ficou registrado em vídeo.

Somente com testes mais complexos, realizados posteriormente pelo Instituto de Criminalista de São Paulo, foi confirmado que o investigador estava certo e que, na verdade, havia apreendido uma cocaína colorida que consegue escapar de testes rápidos e até de cães farejadores, segundo a polícia.

A apreensão da droga ocorreu na semana passada com uma mulher de 45 anos de origem filipina. Ela vinha sendo monitorada havia dois meses e, segundo a polícia, era ao menos a terceira vez que retornava ao Brasil. Em solo brasileiro, conforme investigação, sempre fazia um “bate-volta” de ônibus entre São Paulo e Campo Grande (MS), trazendo na volta falsos pacotes com alimentos.

Quando foi presa, em um hotel na região central de São Paulo, com ela foram encontrados 35 quilos de cocaína nas cores marrom, vermelha e amarela, dissimulados em embalagens de achocolatado, suco de maçã em pó e maca peruana. Ela foi presa em flagrante por tráfico de drogas.

“[É algo] Raríssimo. Eles colocam substâncias químicas que mitigam os odores da droga, impossibilitando, muitas vezes, que o cão farejador detecte a existência daquela cocaína. O narcoteste também dá [falso] negativo por conta dessas substâncias que são colocadas, que dissimulam a droga”, disse o delegado Fernando Santiago, chefe da equipe responsável pela apreensão.

Ainda segundo o policial, não se trata de uma droga nova no mercado, mas, sim, de uma artimanha utilizada pelos criminosos para tentar burlar a fiscalização policial. “Essa cocaína não ia ser servida ao consumidor final assim. Ela passa por um processo de limpeza e volta a apresentar o estado branco. O colorido dela é só para dissimular no transporte”, afirmou o delegado.

Aos policiais, a mulher disse que pegou a mala com um desconhecido em Campo Grande e que receberia instruções ao desembarcar em São Paulo, sobre qual seria o destino final daquela viagem. Não há no boletim de ocorrências informação de quanto ela receberia pelo serviço.

Santiago disse que a cada cem apreensões feitas pelo Denarc (narcóticos) menos de 1% se refere a cocaína colorida. “É muito raro porque não é todo mundo que consegue processar cocaína dessa maneira. Há um risco muito grande de se perder a cocaína, de estragar a droga. Porque precisa de um know-how para fazer isso, por isso acreditamos que seja uma cocaína colombiana. Normalmente, quando você dissimula cocaína assim, é para passar em aeroporto”, finaliza ele.

De acordo com o jornalista Allan de Abreu, autor do livro “Cocaína – A Rota Caipira”, entre as drogas coloridas, a mais comum é aquela conhecida como “cocaína negra”, já apreendida pela polícia em algumas partes do país. “São muito raras ainda. O mais comum é a pasta base da coca, que vem na cor branca, ou ligeiramente amarelada”, afirmou.

O perito criminal Luciano Arantes, especialista em desenvolvimento de métodos para detecção de substâncias controladas, diz que os testes colorimétricos foram desenvolvidos para obtenção de informação preliminar, mas até em casos positivos é necessária a confirmação da substância em laboratórios.

Arantes afirma, ainda, que profissionais que utilizam os testes rápidos baseados na tecnologia da mudança da cor de reagentes devem evitar utilizá-los em materiais coloridos porque corantes podem alterar a coloração do resultado e, assim, indicar um falso negativo.

“Quando houver a suspeita da presença de cocaína em materiais coloridos, outras técnicas devem ser utilizadas. Elas estão disponíveis nos laboratórios forenses, mas nem sempre estarão à disposição dos profissionais da ponta, que trabalham ‘em campo’, fora do laboratório”, afirmou ele.

Além disso, o perito disse que os policiais que realizam os testes precisam fazer treinamento para isso porque os testes colorimétricos são extremamente sensíveis e, assim, uma quantidade errada pode interferir no resultado. “Não basta ter o material (kit colorimétrico ou equipamento portátil), precisa de treinamento constante para saber utilizá-los adequadamente”, disse.

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