LEONARDO VOLPATO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não foi nada fácil para Mary Galvão, 81, decidir colocar um ponto final na trajetória ao lado da irmã Marilene, 79, com quem formou a dupla sertaneja As Galvão por 74 anos. Marilene, porém, tem Alzheimer, e o avanço da doença e o esquecimento das letras de suas músicas confirmaram que isso deveria ser feito.


Faz dez anos que a artista foi diagnosticada, mas de uns anos para cá a doença vem se agravando. Não há cura para o Alzheimer. “Ela chegou em um nível muito difícil de esquecimento. Nós tivemos que parar. Lamento que isso tenha acontecido, afinal são 74 anos com a pessoa mais importante da minha vida”, diz Mary.


Marilene faz o tratamento em casa, com uma equipe completa de cuidadores que mal podem sair de perto. E embora não seja médica, Mary sabe que fazer ensaios leves com voz e violão pode aliviar o quadro da irmã.


Regularmente, ela vai à casa de Marilene com o marido, o maestro Mário Campanha, para cantar os principais clássicos e manter a dupla ativa, ainda que de uma forma diferente. Entre os sucessos estão “Carinha de Anjo”, “Coração Laçador”, “Pedacinhos” e, claro, “Beijinho Doce”.


“Faz parte do amor que tenho por ela. Falo que vamos ensaiar, mas ela não lembra mais de quase nada. O Mário canta junto e ela lembra algumas coisas, outras não. Ela fica feliz por poder cantar. Não posso deixar isso se apagar”, diz Mary.


A doença e a pandemia mexeram muito com o emocional de Marilene. Mary diz que ainda não teve coragem de contar à irmã que a dupla acabou –e provavelmente nem contará. O anúncio foi feito em junho.


“Eu não disse nada. Tem instantes em que ela se lembra de coisas, pergunta quando terá show e quando viajaremos para cantar, mas dois minutos depois esquece. A pandemia acabou com ela, não entendeu que a arte foi ‘fechada'”, afirma.


Diante da impossibilidade de a irmã voltar a trabalhar (e atendendo a um pedido do fãs), Mary decidiu continuar na estrada sozinha. Segundo ela, a ideia é juntar sua bagagem artística de mais de sete décadas com o conhecimento adquirido sobre o Alzheimer. Ela quer fazer shows que mesclem músicas com palestras sobre o tema.


“Neste momento, nosso projeto [dela e do maestro Campanha] é fazer apresentações em teatros que deverão reabrir com menor capacidade. Já viajamos muito, 74 anos de carreira e estrada. Agora quero passar mais por São Paulo e região após a pandemia. Tem muita gente com dúvidas sobre a doença. A família parece que sofre mais”, diz Mary, que também não vai contar à irmã sobre seu voo solo.


As irmãs Galvão já eram embaixadoras da Associação Brasileira do Alzheimer e costumavam fazer apresentações voltadas a hospitais e casas de recuperação para quem vive com a doença. Na época, Marilene ainda estava boa para cantar.


“Agora esse pessoal todo quer que eu continue a fazer essas apresentações e falar do estado de saúde da Marilene e como tem sido para mim. Então, vou continuar. É como se eu fosse também uma voz ativa sobre o assunto”, resume.
Com fã-clubes espalhados pelo país, Mary diz acreditar que a força positiva enviada pelo público serve de combustível.
“Eu não tinha noção do nome de As Galvão no Brasil. Estou recebendo recado do país todo me dando força e fazendo oração por ela. Este momento fez com que eu tivesse noção do amor de um fã por um artista. É muito forte.”

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