Mais conhecido como “derrame”, o AVC (Acidente Vascular Cerebral) é um mal súbito causado pelo entupimento ou rompimento de uma artéria do sistema nervoso central. 

É a segunda causa de morte no mundo, constituindo grave problema de saúde pública, com relevante número de pessoas que vivem com incapacidade após o evento. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a cada seis pessoas uma será acometida por AVC. Estima-se que a cada ano 15 milhões de pessoas sofram desse mal no mundo e que até 2030 continue sendo a segunda maior causa de mortes no planeta.

Falar sobre prevenção é primordial e necessário. Tanto sobre fatores de risco, quanto sobre a detecção precoce dos sinais para a procura imediata de socorro médico, durante o evento.

A reabilitação pós-AVC é outro aspecto importante. As sequelas sensoriais, cognitivas e motoras podem causar limitações e comprometimentos de menor a maior grau com possíveis restrições na autonomia, independência e participação social, além de comorbidades que podem agravar o quadro.

Os avanços da ciência e tecnologia trazem possibilidades: condutas médicas e da equipe multidisciplinar podem minimizar os efeitos do AVC e a multidisciplinaridade em reabilitação possibilita maior independência e participação social.

Ainda há carência na difusão ampla destes conhecimentos e nem sempre ocorre um nível desejável de qualidade de vida nos pós-AVC.

ATENÇÃO: Tempo é cérebro

As estratégias preventivas e o socorro rápido são extremamente eficazes. Essa pressa toda se justifica pelo fato de que, a cada minuto sem fluxo sanguíneo em alguma região da cabeça, cerca de 2 milhões de neurônios morrem. É muita coisa! Em uma hora, são 114 milhões de células nervosas que se desligam para sempre. Com elas, inúmeras funções cerebrais são perdidas e restam sequelas para o resto da vida.

Nunca é tarde para reaprender

Em constante aprendizado após sofrer um AVC do tipo isquêmico em 21 de abril de 2011, o Sr. Walter Ribeiro nunca reclamou um dia sequer da batalha que lhe foi imposta.

Para Walter Ribeiro é sinônimo de superação conseguir colocar sem ajuda a órtese que utiliza. Ele teve muitos movimentos afetados após sofrer um AVC

Durante a vida, nosso primeiro entrevistado trabalhou como mecânico de autos e teve em suas mãos o ‘cérebro’ dos automóveis: o motor. Sempre apresentou um conserto para tudo e, quando a falha foi em si, não pensou duas vezes e  tratou logo de voltar a funcionar. Claro que primeiro de tudo foi por meio de sua boa vontade, depois com o apoio da família e por último e não menos importante daquele que até hoje, após oito anos, vem sendo seu ‘professor’: o fisioterapeuta Rogério Martins.

“Fui solicitado para avaliar Sr. Walter assim que ele teve alta hospitalar. Ele se encontrava na fase flácida, uma fase em que o lado acometido (hemicorpo) encontrava-se ainda sem atividade motora, sem reações à gravidade e com padrões atípicos de postura e movimento instalados. Foi fácil explicar a metodologia de trabalho, pois os filhos são da área de saúde. Houve ótima adesão ao tratamento. Como o socorro médico ocorreu após mais de 4 horas do início dos sintomas, a lesão foi extensa e grave, com prognóstico ruim de recuperação”, conta o profissional.

Walter se mudou recentemente para um apartamento e conta com o apoio da esposa Lígia para se adaptar ao novo ambiente

Iniciar o trabalho na fase descrita acima possibilitou melhores resultados porque foram usadas técnicas que atenuam a intensidade de instalação dos padrões atípicos. “A excelente capacidade cognitiva e a motivação de do Sr. Walter contribuíram muito para sua recuperação: após aproximadamente dois meses de reabilitação, ele já estava sem os cuidadores contratados, com pouco auxílio, apenas da esposa nas atividades do cotidiano. Recuperou a marcha em aproximadamente dois meses”, afirma Rogério.

A cada sessão o paciente exibia novo aprendizado, proporcionando a implementação de novos estímulos e aumento da complexidade nas tarefas. Até que em alguns meses passou a frequentar o consultório de atendimento para realização das sessões.

O fisioterapeuta Rogério Martins durante o atendimento ao Sr. Walter, que trabalha para conseguir descer e subir as escadas do prédio onde mora

“A independência para o autocuidado foi o objetivo inicial e, com o passar dos anos, outros objetivos foram sendo alcançados, como pequenos consertos em casa, manutenção da piscina, ajuda em tarefas domésticas, temporadas em Mongaguá, que ele tanto ama, e viagens em excursões. Atualmente, encontra-se realizando treino de independência para vencer barreiras arquitetônicas do novo prédio onde reside para chegar até a rua, uma vez que até três meses atrás morava numa casa sem barreiras”, revela o fisioterapeuta, que conclui: “Em todos estes anos, os ganhos motores nunca cessaram, sempre há aprimoramento ou surgimento de novas habilidades. Assim, ele mantém sua independência e se adapta a novas situações com muito sucesso. São oito anos em que ele se dedica sistematicamente à intervenção com muito empenho e expectativas. O nosso aprendizado é bidirecional. Sou muito grato a tudo o que aprendo com ele.”

Nasce uma nova Suzana

Foi graças ao apoio familiar, a uma equipe de profissionais dedicada e a uma vida regrada, saudável e voltada ao esporte que sempre se preocupou em ter que a empresária e professora de dança Suzana Vilela Dias teve uma recuperação surpreendente após sofrer um AVC do tipo isquêmico.

O fisioterapeuta Marcelo Canhoto é um dos profissionais responsáveis pela evolução de Suzana Vilela Dias após o AVC. Na foto, o profissional e a paciente durante uma aula de pilates

Suzana sempre foi uma mulher muito ativa e fazia questão de ter nas mãos o controle de tudo. Mãe, dona de casa, esposa, empresária. Não que no mundo de hoje não seja importante ter autonomia, independência, porém, junto com o acúmulo de funções, veio um alto nível de estresse que ela mesma não percebeu, já que achava que “canalizar” tudo era o ideal. Para ela, por exemplo, não existia a possibilidade de definir o que era trivial, o que era prioridade, quais tarefas poderiam ser divididas e quais poderiam ser delegadas.

“Meu marido não sabia nem a própria senha da conta bancária. Quem coordenava tudo e tinha tudo nas mãos era eu. Eu não aceitava que problemas chegassem até outras pessoas, eu gostava de tomar a frente e resolver, em casa ou na empresa. Não ‘desligava’ nem mesmo na hora de dormir. Eu não dava descanso à minha cabeça”, conta a entrevistada.

Essa pausa a que Suzana nunca se permitiu chegou, mas de uma maneira que ela jamais imaginou. Antes de falarmos tudo o que ela viveu desde o dia 9 de dezembro de 2018, data em que sofreu o AVC isquêmico, o corpo deu um alerta: “Uns dias antes eu senti meu braço direito e a perna direita estranhos. Primeiro um formigamento e depois eles ficaram amortecidos. Essa sensação ia e voltava. Cheguei a procurar atendimento médico, mas nem os profissionais nem eu imaginávamos que seria algo tão sério. Talvez esse nosso ‘não acreditar’ poderia ter mudado o rumo das coisas”.

Suzana, que chegou a ficar em uma cadeira de rodas, mostra que recuperou movimentos e a flexibilidade

Ela seguiu com a rotina normalmente e, após dar uma aula de dança, sim, ela também é professora, entrou no carro e dirigindo sofreu o AVC. Suzana desmaiou ao volante. E é a partir deste momento que tudo começou a ter um novo sentido: “Quando eu acordei, estava no hospital e, naquele momento, o meu pensamento foi ‘eu morri’, não conseguia falar, me mexer. Sensação de horror, pânico. É até difícil de explicar. Eu só chorava e não conseguia entender o que estava acontecendo”.

Foram 11 dias internada e 10 quilos a menos. Foi ali, na cama do hospital, que passou a ter o acompanhamento de profissionais, como a fonoaudióloga Lara Jorge Camargo, que está com ela até hoje: “Quando eu entrei no quarto para o primeiro dia de atendimento à Suzana, ela não falava nada e também não entendia, porque estava cognitivamente ausente. Ela conhecia o pai, o marido, mas em termos de linguagem nada. Não conseguia se expressar nem através de sinais. A parte cognitiva dela foi comprometida e isso acarretava uma dificuldade de interagir com o mundo, com atenção muito curta e concentração ausente”, diz a profissional.

O primeiro avanço veio por meio de uma dinâmica: “Eu escrevi a palavra ‘Sim’ em azul em uma folha de papel e a palavra ‘Não’ em vermelho em uma outra folha e, diante disso, passei a fazer algumas perguntas básicas como ‘Seu nome é Suzana?’, e ela colocava a mão na folha escrito ‘Sim’. Foi a primeira coisa que a gente percebeu que ela estava conseguindo entender. A partir disso foi um trabalho de formiguinha, passando por cores, objetos, alimentos. E aí eu falo para você que surpreendentemente ela começou a responder muito rápido. Quando a gente olha a lesão que ela teve, que foi gravíssima, a tomografia dela em dezembro de 2018, e a vê hoje, um ano depois, e toda a evolução, é surpreendente. Hoje estamos em uma etapa de formular frases”, descreve Lara.

Neste período, muitos outros profissionais atuaram junto à recuperação de Suzana e um deles foi o fisioterapeuta Marcelo Canhoto, que também a acompanha até hoje: “A patologia dela traz algumas consequências. Esse tratamento, desde quando ela sofreu o AVC, foi fundamental para evitar algumas deformidades articulares, contraturas. Ela deixou o hospital em uma cadeira de rodas e fomos posicionando-a corretamente, alongando o que precisava alongar, fortalecendo, porque tínhamos um problema neurológico. A lesão trouxe um déficit na musculatura, então, quanto mais rápido você trabalha em cima disso, menos sequelas ela terá”, explica Marcelo.

O profissional ainda faz uma ressalva a um fator que ajudou muito a paciente: “A Suzana sempre foi uma pessoa preocupada com o corpo, atleta, bailarina, um estilo de vida saudável. A lesão não afetou a memória e ela tem isso já condicionado, então o que eu fiz foi dar o ‘start’. Um exemplo foi quando eu introduzi algumas coisas de ballet dentro da fisioterapia. Notei que fluía muito mais, porque já estava na lembrança”.

A dança foi fundamental no processo de recuperação de Suzana, que na foto está com a amiga e professora Marina Wolf

E foi nesta descoberta que o marido de Suzana, o empresário Fábio Dias, teve a ideia de trazer para perto da esposa algo que ela sempre teve como uma paixão. “A Suzana tinha um ritmo de vida e isso foi cortado bruscamente. Tudo o que ela era habituada a fazer se interrompeu e nisso ela se viu dependente de atividades que antes não eram realizadas por ela. Aula de fono, físio, sessões de acupuntura, terapia ocupacional, psicólogo… Então eu pensei: como eu poderia deixar o dia dela não tão pesado, mais alegre, e foi quando eu pensei na dança. Procurei a Marininha (professora de ballet e amiga de Suzana) e falei se ela poderia vir até a nossa casa e dar umas aulas. No dia seguinte ela estava lá e eu notei o quanto isso foi importante na recuperação: trazer até ela algo prazeroso. Durante duas vezes por semana, com aulas de uma hora de duração, a Su se conecta com o mundo dela através da música e da arte, e isso fez um bem danado neste processo árduo que ela enfrenta”, ressalta Fábio, que tem com Suzana dois filhos: Nickolas e Anitta.

“Poder fazer parte desse processo de recuperação da Suzana, que é uma mulher pela qual eu tenho grande admiração e carinho, é muito gratificante. A impressão que eu tenho é que ela me ensina mais durante as aulas do que eu a ela”, afirma a professora de dança Marina Wolf.

A busca da tão sonhada independência

“Eu quero me libertar.” É com esta frase/afirmação que Suzana se deita e levanta todos os dias. Dirigir é uma das coisas de que ela mais sente falta. “É pensar que eu quero ir e poder ir. Virar as costas e fazer o que eu tenho vontade”, diz ela sem pensar duas vezes. A questão da mobilidade e o desejo de voltar a poder dar aulas de ballet contemporâneo estão muito vivos dentro dela. Confessa que se tornou muito “chorona” em todo este processo, mas nunca deixou de acreditar. Aquela Suzana de antigamente, que dava conta de tudo, abraçava, coordenava e canalizava tudo mediante a correria do dia a dia, que criou e alimentou dentro dela mesma um alto nível de estresse que resultou em um AVC, ela afirma: “Nunca Mais! Não vale a pena”.

Os principais fatores que contribuem para o AVC

Ao controlá-los, o risco de passar por essa enrascada cai drasticamente, como mostram os números abaixo:

Dica JC

Você que acompanhou esta reportagem e tem um celular em mãos pode transformar a tecnologia em aliada da saúde. Umaferramenta para celulares smartphones e tablets pode ser baixada gratuitamente nas lojas virtuais dos sistemas Android e IOS. É o aplicativo “AVC Brasil”, que traz informações sobre os principais sinais e sintomas do AVC, orientações sobre como prevenir a doença, relação de hospitais especializados para o tratamento da doença, com endereço completo, com mapa e distância a ser percorrida até a unidade mais próxima, sempre atualizada por geolocalização, ou seja, a relação de unidades especializadas de assistência será atualizada automaticamente, de acordo com a cidade onde o usuário estiver no momento do acesso. 

O aplicativo AVC Brasil também disponibiliza para o seu usuário a função de discagem emergencial com três botões de chamada instantânea. A pessoa poderá ligar, com apenas dois toques na tela do celular, para três opções de números: SAMU 192, um número telefônico de pessoa próxima ou de um serviço pré-hospitalar contratado.

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