Agentes da PF, do Ibama e militares fecham, em 12 de outubro, garimpo que operava ilegalmente na Reserva Biológica (Rebio) Maicuru, no norte do Pará – Divulgação/Polícia Federal

ANA CAROLINA AMARAL – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em substituição a 48 multas aplicadas pelo Ibama em 2017, o órgão ambiental assinou um acordo com a Log-In, empresa que sofreu as autuações, que destina R$ 19 milhões para o comando de policiamento ambiental da Polícia Militar de São Paulo.

O acordo foi assinado pelas partes no último dia 20 no valor total de R$ 22,4 milhões. Além da maior parte destinada à PM, o documento determina que R$ 1,3 milhão será usado na criação de uma sala de situação no Ministério do Meio Ambiente e R$ 1,9 milhão será destinado a reformas e aquisição de equipamentos para a base do Ibama em Santos-SP, onde foi feita a autuação.

O valor total do acordo corresponde a cerca de 40% do valor das multas aplicadas na época da infração, que somavam R$ 49,9 milhões.

Do montante acertado, Embora o acordo determine que a empresa faça as aquisições e justifique os gastos com notas fiscais, o anexo que lista os equipamentos destinados à Polícia Militar apresenta uma distinção: R$ 16,9 milhões devem ser depositados diretamente na conta bancária do Fundo de Incentivo à Segurança Pública da Polícia Militar.

A polícia ficaria então responsável por prestar contas sobre a compra dos itens, enquanto a empresa bancaria equipamentos no valor de R$ 2 milhões.

O acordo também deixa uma sobra de recursos de R$ 201,4 mil que, caso não seja necessária nas aquisições, deverá ser depositada na mesma conta da Polícia Militar.

A empresa, da área de logística, foi autuada por um acidente com o navio Log-In Pantanal, que levou à queda no mar de 47 contêineres com mercadorias diversas, em um fundeadouro do Porto de Santos, em agosto de 2017.

A empresa propôs o acordo substitutivo de multa em 19 de março do ano passado, conforme documentos aos quais a reportagem teve acesso. Uma semana depois, o chefe de gabinete do Ibama, Fernando Godoy, enviou o requerimento da empresa ao superintendente do Ibama em São Paulo, o policial militar Davi de Sousa Silva, pedindo a ele “a análise e demais providências cabíveis”.

Desde o início da sua gestão, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem nomeado policiais militares paulistas para os cargos comissionados, diretorias da sede do Ibama e também para as superintendências estaduais. Salles atuou de forma próxima ao comando ambiental da polícia em São Paulo no ano em que foi secretário de Meio Ambiente do estado, entre 2016 e 2017.

Fontes ligadas ao ministério afirmam que os militares nas diretorias do Ibama dialogam e tomam decisões diretamente junto ao ministro e disputam a presidência do órgão, ocupada por Eduardo Bim, que vem da procuradoria da AGU (Advocacia-Geral da União).

O Ibama sofre com deficiência de equipamentos de fiscalização, como os coletes à prova de balas vencidos. Eles foram licitados após a reclamação das associações de servidores, no último agosto, mas ainda não foram entregues.

A reportagem apurou que uma série de deficiências no órgão tem levado os agentes de fiscalização a usar seus próprios salários para adquirir equipamentos de trabalho em campo, como máquina fotográfica, notebook, bota tática, mochila, chapéu de selva, coldre, cinto tático, GPS e software para dados de GPS.

Também faltam no órgão equipamentos para: trabalho com visão noturna, proteção individual para fiscalização de agrotóxicos, acampamento na selva, rastreamento dos agentes via satélite, fones para trabalho em aeronave, além de câmera e rádio táticos.

O Ibama terá um corte de 32,5% no orçamento deste ano, em relação a 2020, caso o projeto de lei orçamentária do governo seja aprovado pelo Congresso neste mês.

O plano também prevê o menor orçamento desde o ano 2000 para o Ministério do Meio Ambiente, que terá R$ 1,72 bilhão, sendo que 88% desse valor é comprometido com despesas administrativas. Sobrariam somente R$ 4,6 milhões para gastos não obrigatórios, segundo levantamento do Observatório do Clima.

Segundo a reportagem apurou junto ao governo, o acordo substitutivo de multa é uma oportunidade para a gestão adquirir equipamentos com mais celeridade e menos custos do que um processo licitatório.

“Há legislação estabelecida para a destinação dos recursos das multas ambientais federais: quando pagas, 20% vão para o Fundo Nacional do Meio Ambiente e o restante para o Tesouro”, afirma a ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.

“Esses acordos não podem ser realizados para fugir de regras legais, nem para atender interesses políticos, pois isso configura desvio de finalidade”, conclui Araújo. Ela também avalia que a solução de destinar verbas do acordo à Polícia Militar não é compatível com os interesses gerais, como determina o artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Questionado pela reportagem sobre a adequação do destino de verbas à Polícia Militar, o Ministério Público Federal, que também assina o acordo substitutivo de multa, respondeu que “a Polícia Ambiental de São Paulo é órgão parceiro do Ibama e também presta serviço fundamental na proteção ao meio ambiente da região local do dano, o que deve sempre ser o principal objetivo nos acordos e condenações decorrentes de danos ambientais”.

O MPF também afirma que questionou o acordo para garantir a destinação de verbas ao Ibama em Santos.

Procurados, o Ibama e a Polícia Militar Ambiental de São Paulo não retornaram aos contatos da reportagem.

A sua assinatura é fundamental para continuarmos a oferecer informação de qualidade e credibilidade. Apoie o jornalismo do Jornal Cidade. Clique aqui.