LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se você estivesse em um navio prestes a afundar e encontrasse um bote salva-vidas que acomodasse apenas três pessoas, mesmo número de companheiros de viagem que estão com você, quem seria sacrificado?


Foi a partir dessa pergunta drástica e impiedosa que Joe Penna e Ryan Morrison desenvolveram o roteiro de “Passageiro Acidental”, filme que estreia agora na Netflix. Na trama, um trio de astronautas embarca numa missão rumo a Marte, com o objetivo de viabilizar a colonização do planeta vermelho.

Poucas horas após a decolagem, no entanto, eles encontram um quarto viajante a bordo, um engenheiro que se feriu durante a vistoria da nave e acabou preso nas ferragens. A princípio, parece que ele não vai sobreviver aos ferimentos, mas logo se recupera e assume algumas funções na expedição.


Sem possibilidade de retorno à Terra, a nave apresenta um problema técnico que compromete os suprimentos de oxigênio -e, agora, só há ar para três tripulantes respirarem até o fim da missão marciana.


Com um elenco enxuto formado apenas por Toni Collete, Anna Kendrick, Daniel Dae Kim e Shamier Anderson, “Passageiro Acidental” é um filme que dispensa a pompa das ficções científicas espaciais. Há, sim, ambientes ultratecnológicos e belas visões da Terra, mas a ação está praticamente toda dentro daquela cápsula, onde os personagens discutem maneiras de se salvarem.


“Nós queríamos que essa história pudesse ser transportada para qualquer lugar. Uma casa, um bunker, um único cômodo, um armário ou, no caso, um armário voador”, diz Penna, que além de corroteirista também dirige o filme.


Além da premissa provocativa, “Passageiro Acidental” tem em seu diretor novato um outro fator de atração, específico para o público brasileiro. Penna é paulistano e atualmente dá seus primeiros passos como cineasta nos Estados Unidos, apesar de nunca ter sentado na cadeira de direção em seu país natal.


Isso porque ele mora em terras americanas desde a adolescência. Foi lá, mais precisamente em Los Angeles, que ele começou a ganhar fama, há cerca de dez anos, mas não por causa do cinema. Penna foi o brasileiro recordista em inscritos no YouTube no início dos anos 2010, muito antes da carreira de youtuber virar modinha.


Sob o pseudônimo MysteryGuitarMan -personagem que estava sempre de óculos escuros-, ele conquistou centenas de milhões de visualizações com seus vídeos, a maioria sobre música, feitos com colagens, sobreposição de sons e stop-motion. Em “One Man, 90 Instruments”, de 2015, por exemplo, Penna usou instrumentos como uma cuíca e um gongo para recriar o hit “Pump It”, do Black Eyed Peas.


Foi na plataforma que o diretor publicou seus primeiros curtas-metragens, até que, em 2015, fez sua estreia nos longas, com “Arctic”. Protagonizada por Mads Mikkelsen, a trama também recorria aos instintos de sobrevivência de seus personagens e foi exibida no Festival de Cannes. A passagem pelo evento francês, conta Penna, foi importante para que ele agora assumisse um longa de ambição e orçamento bem maiores.


“Ser cineasta nunca foi um objetivo meu”, diz o brasileiro, que largou a faculdade de medicina para se dedicar ao YouTube. “A narrativa cinematográfica foi uma coisa com a qual me deparei pela primeira vez quando trabalhei em alguns clipes de música, mas se tornou uma nova opção para mim à força, por causa de mudanças nas políticas da plataforma. Foi uma transição estressante, mas estou contente que acabou sendo para melhor.”


A experiência internauta ajudou Penna nos bastidores de “Passageiro Acidental”. Quando se é um youtuber, diz ele, você precisa trabalhar com pouco, improvisar e cuidar de todas as etapas da produção de um vídeo. No set de filmagem, ele usou essa experiência para cortar cargos e aproveitar melhor seu orçamento, além de ter decidido montar o longa ao mesmo tempo em que o gravava, para poder fazer alterações na história.

Há alguns anos sem novos vídeos, o canal MysteryGuitarMan ainda tem cerca de 2,7 milhões de inscritos. No que depender de Penna, no entanto, a página deve ficar assim mesmo, já que o brasileiro pretende continuar se dedicando ao cinema.

Ele atualmente trabalha na adaptação de um livro de memórias sobre o qual não pode dar detalhes, mas diz que mal pode esperar para gravar algo em sua terra natal. “Já me mandaram alguns roteiros hollywoodianos ambientados no Brasil, mas eu não senti que eles capturavam a essência do país do qual me lembro. Eu ainda estou esperando pela oportunidade certa.”

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