Folhapress

O papa emérito Bento 16 admitiu nesta segunda-feira (24) ter participado de uma reunião em 15 de janeiro de 1980 na qual foi discutida a situação do padre Peter Hullermann, acusado de abusar sexualmente de dezenas de menores de idade na Alemanha. À época, Bento era arcebispo de Munique e aceitou que Hullermann, cujos crimes já eram de conhecimento da igreja, atuasse no local.

A declaração, feita por meio de seu secretário pessoal, o arcebispo Georg Ganswein, e publicada pela Agência Católica de Notícias, contradiz as negativas que o papa emérito vinha proferindo havia anos sobre o caso e vem à tona no momento em que as investigações sobre sua omissão avançam.

O texto atribui a um erro em declarações anteriores dadas por Bento 16 a confusão sobre sua presença na reunião. “Ele gostaria de enfatizar que isso não foi feito por má-fé, mas foi resultado de um erro na edição de sua declaração”, afirma em um trecho. “Ele sente muito e pede desculpas.”

O caso envolve o padre Hullermann, que, entre 1973 e 1996, teria abusado de pelo menos 23 meninos com idades entre 8 e 16 anos enquanto ocupava diferentes posições na igreja. Um decreto eclesiástico da arquidiocese de Munique, de 2016, ao qual a mídia alemã teve acesso, mostra que a instituição criticou a postura dos clérigos, incluindo Joseph Ratzinger -nome do papa Bento 16-, diante da situação.

Hullermann atuava inicialmente na diocese de Essen, mas, diante de denúncias de familiares das crianças abusadas, foi afastado. Na sequência, foi aceito pelo papa Bento 16 na arquidiocese de Munique.

Por anos, o papa emérito alegou não ter participado das decisões sobre a acolhida ao padre pedófilo, que teriam sido conduzidas por um subordinado. A versão tinha pouco crédito entre estudiosos da hierarquia da igreja, para os quais um cenário do tipo representaria falta de autoridade incomum do então arcebispo.

O argumento segue sendo usado. Ainda no comunicado desta segunda, Bento 16 afirma que houve erro sobre sua participação na reunião, mas que o encontro em questão não teve como pauta a decisão sobre a atribuição pastoral a Hullermann, que teria sido conferida depois.

Relatório independente publicado na quinta (20) acusou Bento 16 de encobrir casos de abusos sexuais contra crianças. “Ele sabia dos fatos”, afirmou o advogado Martin Pusch, que fez parte da apuração.

“Acreditamos que ele pode ser acusado de má conduta em quatro casos. Dois deles são relacionados a abusos cometidos durante sua gestão e punidos pelo Estado e, em ambos, os perpetradores seguiram ativos no cuidado pastoral.” A investigação foi encomendada pela arquidiocese de Munique, da qual o papa emérito se despediu em 1982, e contabilizou ao menos 497 vítimas de abuso entre 1945 e 2019.

Os investigadores apontam que há uma chance de esse número ser ainda maior, já que centenas de outros casos podem nunca ter chegado a ser denunciados. A maioria das vítimas era do sexo masculino, e 60% delas tinham entre 8 e 14 anos. Os 235 autores dos abusos incluem 173 sacerdotes, 9 diáconos, 5 agentes de pastoral e 48 pessoas do ambiente escolar, destaca o relatório.

As acusações em relação a Bento 16 expuseram novamente o confronto entre a ala mais conservadora da igreja e a ala favorável ao papa Francisco, que sucedeu Joseph Ratzinger no posto. Jornais conservadores italianos, como o Liberio e o II Foglio, publicaram editoriais na sexta (21) defendendo Bento 16 e atacando o relatório. O primeiro disse que o papa emérito foi abandonado pelas autoridades do Vaticano, enquanto o segundo afirmou duvidar das evidências apresentadas pela investigação.

O arcebispo conservador Gerhard Mueller, forte crítico de Francisco, disse ao jornal Corriere della Sera que pessoas querem prejudicar Bento 16. “É óbvio que, se houve erros, ele não os conhecia. Ele não fez nada de errado deliberadamente”, alegou o alemão. Por outro lado, associações que reúnem vítimas dos abusos se manifestaram para pedir que a investigação siga em frente.

Anne Barrett Doyle, codiretora da ONG Bishop Accountability, que documenta escândalos sexuais protagonizados pelo clero, pediu que os promotores de Munique acompanhem o relatório. “Eles devem investigar arquivos de abuso e coletar depoimentos de vítimas e testemunhas. Ex-funcionários arquidiocesanos, incluindo Bento 16, devem ser obrigados a testemunhar sob juramento.”

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