Leonardo Sanchez – Folhapress

Bebês diabólicos, palhaços que roubam órgãos de criancinhas e prostitutas grevistas. Esses serão os personagens de uma nova série que está em desenvolvimento para o Canal Brasil. Quem era habitué das bancas de jornais no século passado não vai ter dificuldade de entender o que os une –todos estamparam as manchetes do antigo jornal Notícias Populares.

O diário fundado em 1963 como parte do Grupo Folha, empresa que edita o jornal Folha de S.Paulo, fez fama com seu noticiário escandaloso, recheado de sexo e violência, até sua última edição, em 2001. Agora, sua história estará no centro de uma trama televisiva ainda sem nome, que vai acompanhar o dia a dia na redação do Notícias Populares.

Quem assina a criação do programa é Marcelo Caetano, diretor do filme “Corpo Elétrico”, e André Barcinski, jornalista, diretor e escritor. A série, de certa forma, vai ecoar a própria trajetória do último, que nos anos 1990 escrevia para o NP.

“Eu trabalhei pouco tempo no Notícias Populares, justamente numa fase em que o jornal tentava ficar mais profissional. O Octavio [Frias de Oliveira, então publisher da Folha de S.Paulo] botou um monte de jornalista bom ali, pensando em renovar a qualidade do jornal. Era uma galera jovem, que não era melhor ou pior, mas diferente”, diz Barcinski.

É nesse momento de transição que a série vai se passar, acompanhando a jornalista fictícia Paloma, ex-correspondente da Folha de S.Paulo que volta ao Brasil para assumir a chefia de reportagem do Notícias Populares. Lá, encontra um ambiente totalmente diferente do que está acostumada e aprende que há outras formas de fazer jornalismo.

“São oito episódios que vão acompanhar a descida da Paloma ao coração maravilhoso e cruel do Brasil”, resume Caetano. “E isso é interessante no Notícias Populares, ele foi uma forma de falar da loucura que é o país, dos absurdos do cotidiano brasileiro.”

Atualmente a dupla está finalizando os roteiros para, em breve, começar a busca pelo elenco da série. A ideia é gravar entre junho e agosto -ainda não há previsão para a estreia. A cada episódio, um ou dois casos clássicos do jornal serão abordados.

Estarão nas telas, por exemplo, o Bebê-Diabo, criança que teria nascido com características sobrenaturais e que ajudou a alavancar as vendas do Notícias Populares; o Bando do Palhaço, um suposto grupo que atraía crianças com doces para então roubar seus órgãos; o Chico Pé de Pato, justiceiro da zona leste de São Paulo, e as figuras que habitavam a cobertura de Carnaval ousada e cômica do jornal.

Descrita como um amálgama de diferentes personalidades jornalísticas que passaram pelo Notícias Populares, a personagem Paloma ainda vai enfrentar problemas como a queda nas vendas, num momento em que a televisão passou a investir em programas popularescos, e uma debandada de repórteres para um outro jornal, mais sério e com o mesmo público-alvo.

Enquanto passeiam por essa trama, Caetano e Barcinski vão abordar questões que permeiam o jornalismo de hoje, mas que já representavam dilemas do Notícias Populares décadas atrás, como as fake news, o politicamente correto e o sensacionalismo -talvez mais lembrado, na era da internet, como “clickbait”.

Eles defendem que, ao contrário do que acontece hoje, em que figuras públicas tentam difundir informações infundadas como verdades absolutas, ou que tentam desacreditar fatos comprovados pela ciência ou especialistas, o Notícias Populares nunca espalhou mentiras.

O que o jornal fazia era dar espaço para diferentes visões de um mesmo assunto, dos rumores às autoridades, e embalar as reportagens no que parecia ser mais atraente. “Na própria matéria original do Bebê-Diabo, há um médico falando que aquilo era mentira, mas os padres da época não negavam. Na do Bando do Palhaço, a polícia falava repetidamente ao jornal que aquilo não existia também”, diz Caetano.

É justamente esse dilema, acerca do tipo de informação que deveria compor a matéria-prima dos jornalistas e da maneira como isso seria apresentado, que acompanhará a protagonista Paloma ao longo da série.

“O Notícias Populares sempre teve essa característica de ser um jornal que aumentava as matérias, dava uma dourada na pílula. Ele tinha um estilo próprio e, para quem era de fora, podia até achar que eram as matérias de crime que vendiam o jornal. Mas não, o que vendia muito era economia, por exemplo. O Notícias Populares foi o primeiro a ter uma coluna sindical”, diz Barcinski.

“O seu Frias tinha muito esse pensamento de fazer um jornal que gerasse algum impacto, que valesse a pena comprar. O sensacionalismo fazia o jornal se destacar na banca, mas o Notícias Populares não tinha só isso -foi um dos primeiros jornais a ter uma coluna gay, tinha uma de heavy metal, de candomblé. Isso fez com que o leitor tivesse uma relação muito passional com o jornal, porque ele era um aliado, cobria coisas que a concorrência não via.”

A dupla de criadores conta que teve o aval de Otavio Frias Filho, filho de Octavio Frias de Oliveira e diretor de Redação da Folha de S.Paulo e diretor editorial do Grupo Folha até sua morte, em 2018, para gravar a série. Barcinski e Caetano já trabalharam juntos recentemente, em outra série do Canal Brasil, “Hit Parade”, sobre a música brasileira nos anos 1980.

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