BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Ao anunciar sua demissão do governo federal nesta sexta-feira (24), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, criticou a insistência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para a troca do comando da Polícia Federal, sem apresentar causas que fossem aceitáveis.

Moro afirmou ainda que Bolsonaro queria ter acesso a informações e relatórios confidenciais de inteligência da PF. “Não tenho condições de persistir aqui, sem condições de trabalho.” E disse que “sempre estará à disposição do país”.

A demissão de Moro foi antecipada pela Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (23).

“Não são aceitáveis indicações políticas.” Moro falou em “violação de uma promessa que me foi feita inicialmente de que eu teria uma carta branca”. “Haveria abalo na credibilidade do governo com a lei.”

Moro disse ter o dever de proteger a instituição da PF, por isso afirmou ter buscado uma solução alternativa para o comando da corporação, o que não conseguiu.

Ele enalteceu seu papel na busca pela autonomia da Polícia Federal e destacou essa característica da corporação nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT.

Moro destacou a autonomia da PF nas gestões federais do PT, mesmo com “inúmeros defeitos” e envolvimentos em casos de corrupção. Relembrou promessa de “carta branca” recebida pelo então presidente eleito Jair Bolsonaro em 2018 para nomear todos os assessores, inclusive na Polícia Federal.

O ex-juiz da Lava Jato disse que nunca houve condição para ser ministro em troca de indicação para uma vaga de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). A ideia, segundo Moro, era buscar um nível de formulação de políticas públicas, de aprofundar o combate à corrupção e levar maior efetividade em relação à criminalidade violenta e ao crime organizado.

Moro diz que somente colocou uma condição a Bolsonaro para que assumisse o cargo. “Se algo me acontecesse, uma pensão para a [minha] família.”

No cargo, Moro cuidava também da segurança pública. “Me via, estando no governo, como um garantidor da lei e da imparcialidade e autonomia destas instituições”, afirmou o ministro, em seu pronunciamento nesta sexta-feira.

Em sua fala, Moro lamentou sua saída em meio à pandemia do coronavírus, com milhares de mortes no país, e enalteceu sua carreira como juiz federal, que incluiu a Operação Lava Jato de Curitiba.

Moro decidiu entregar o cargo nesta sexta-feira e deixar o governo após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ter sido publicada nesta madrugada no Diário Oficial da União. Ele anunciou a saída do governo a pessoas próximas.

Moro pediu demissão a Bolsonaro na manhã desta quinta-feira (23) quando foi informado pelo presidente da decisão de demitir Valeixo. O ministro avisou o presidente que não ficaria no governo com a saída do diretor-geral, escolhido por Moro para comandar a PF.
A exoneração foi publicada como “a pedido” de Valeixo no Diário Oficial, com as assinaturas eletrônicas de Bolsonaro e Moro. Mas o ministro não assinou a medida formalmente nem foi avisado oficialmente pelo Palácio do Planalto de sua publicação.
O nome de Moro foi incluído no ato de exoneração pelo fato de o diretor da PF ser subordinado a ele. É uma formalidade do Planalto.
“Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não assinei esse decreto”, disse o ministro. O agora ex-ministro disse que isso foi algo “ofensivo” e que “foi surpreendido”. “Esse último ato foi uma sinalização de que o presidente me quer fora do cargo.”
Na avaliação de aliados de Moro, Bolsonaro atropelou de vez o ministro ao ter publicado a demissão de Valeixo durante as discussões que ainda ocorriam nos bastidores sobre a troca na PF e sua permanência no cargo de ministro. Diante desse cenário, sua permanência no governo ficou insustentável, e Moro decidiu deixar o governo.
Moro topou largar a carreira de juiz federal, que lhe deu fama de herói pela condução da Lava Jato, para virar ministro. Ele disse ter aceitado o convite de Bolsonaro, entre outras coisas, por estar “cansado de tomar bola nas costas”.
Tomou posse com o discurso de que teria total autonomia e com status de superministro. Desde que assumiu, porém, acumulou uma série de recuos e derrotas.
Moro se firmou como o ministro mais popular do governo Bolsonaro, com aprovação superior à do próprio presidente, segundo o Datafolha.
Pesquisa realizada no início de dezembro de 2019 mostrou que 53% da população avaliava como ótima/boa a gestão do ex-juiz no Ministério da Justiça. Outros 23% a consideravam regular, e 21% ruim/péssima. Bolsonaro tinha números mais modestos, com 30% de ótimo/bom, 32% de regular e 36% de ruim/péssimo.
O ministro, nos bastidores, vinha se mostrando insatisfeito com a condução do combate à pandemia do coronavírus por parte de Bolsonaro. Moro, por exemplo, atuou a favor de Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, na crise com o presidente.
Aliados de Moro avaliam que ele foi um dos alvos da recente declaração de Bolsonaro de que usaria a caneta contra “estrelas” do governo.
“[De] algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos cotovelos, tem provocações. A hora D não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona”, afirmou Bolsonaro no último dia 5 a um grupo de religiosos diante do Palácio da Alvorada.
Com a saída de Moro do governo, o chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, passou a ser um dos mais cotados para substituí-lo.
Num cenário ainda incerto, um dos desenhos do Planalto é de que haja a separação de Justiça e Segurança Pública, desejo antigo do presidente Bolsonaro.
Se isso se confirmar, a probabilidade maior é que Jorge assuma a Segurança Pública por ser policial militar da reserva do Distrito Federal. É considerada menor a possibilidade de que ele vá para a Justiça.
Já para a Justiça o nome mais forte é o do secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, que tem se aproximado de Bolsonaro. Lateralmente, há uma possibilidade de o ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) ser escolhido.
Fraga, que é amigo pessoal do presidente, poderia ainda ser indicado para a Secretaria-Geral, no lugar de Jorge Oliveira. Com isso, o governo ganha um político no Planalto para auxiliar na articulação com o Congresso. Hoje, há apenas militares nas quatro pastas sediadas no prédio da Presidência.
Essas mudanças foram tratadas pelo presidente com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que esteve no Planalto na última quarta-feira (22).