Geólogo Flávio de Paula e Silva, especialista em águas subterrâneas e mineração

Lucas Calore

O que pode tornar a distribuição de água mais eficaz no futuro vai depender da gestão pública de hoje. É essa a opinião do geólogo Flávio de Paula e Silva (61), especialista em águas subterrâneas e mineração que palestrou nessa semana em um workshop realizado na Unesp Rio Claro, organizado com o objetivo de aprofundar o debate sobre o uso e a gestão das águas subterrâneas pelos Comitês PCJ e a Agência das Bacias PCJ (rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), que abastecem a Cidade Azul, por exemplo.

O geólogo palestrou sobre água subterrânea na mineração na região de Rio Claro. “Normalmente quando há problema com água, associa-se às mineradoras. No entanto, fizemos um longo estudo na Unesp, em 2005, quando mostramos que a interferência da mineração no recurso hídrico é muito pequena, praticamente desprezível. Quando se fala em falta de água, o problema é geológico nesta área”, explica.

Nas áreas de mineração há água que se acumula em camadas de solo acima do minério. “Essa quantidade armazenada não caracteriza um aquífero. O trabalho da mineração no recurso hídrico, seja superficial ou subterrâneo, não dá interferência nenhuma. Seguindo os preceitos da legislação ambiental é possível fazer a mineração sem grandes prejuízos, depois a área pode ser recomposta em praticamente seu estado original”, detalha o geólogo.

Hoje existe uma conscientização de que as lavras devem ser feitas com orientações de órgãos ambientais. “Hoje temos mineradoras que usam tanques para decantar a água e não bombeiam mais a água diretamente para os rios. Feito o tratamento prévio, é descartada uma água de qualidade aceitável e para condições de reúso”, explica.

Aquíferos

A região de Rio Claro está sobre um aquífero, o Tubarão. “Há poços com vasões de 60 a 80 mil litros por hora. Tem capacidade bem menor que o Aquífero Guarani, mas é bem importante. Ele está isolado por uma camada de 250 metros de espessura de argila. Praticamente impermeável, sendo que a água de chuva não desce nessa camada, que chega a ter até 800 metros em outras áreas da bacia. A camada isola um aquífero de outro, o Tubarão do Guarani, que está acima”, informa o profissional. Cordeirópolis e Santa Gertrudes captam água do aquífero Tubarão atualmente.

Se os aquíferos tivessem conexão com a água superficial, poderia haver mais água na bacia que abastece Rio Claro. “Normalmente, quando há chuva, ela recarrega o aquífero e o grosso segue para o rio. No período de estiagem, é o aquífero que mantém o rio vivo. Acabam as chuvas nessa região, praticamente acaba a água. Se não chover, o rio seca”, diz.

Crises hídricas como a que atingiu o Estado de São Paulo há poucos anos não estão descartadas e podem ocorrer novamente. O uso da água dos aquíferos é necessário em períodos como esse. “A gestão hoje diz que, quando há chuva, deve-se usar essa água que passa pelo rio e vai embora, logo tem que aproveitá-la. Na época de estiagem, usa-se a água do aquífero”, aponta.

Gestão pública

No entanto, o geólogo diz que há a necessidade de se criarem políticas públicas que controlem o uso do recurso. “É preciso ter um controle. Em geral, todos aquíferos têm capacidade de recarga pequena. Entra muito menos água do que se extrai. A demanda por recurso hídrico aumenta exponencialmente quando a população cresce, enquanto o volume é sempre o mesmo, assim como qualquer recurso natural. É uma situação crítica, não vai ter recurso natural para todo mundo. Nos Estados Unidos há aquíferos quase secos, que dependem da chuva e da neve para serem recarregados. No Brasil, temos um cenário mais favorável, com o regime de chuvas, há água em praticamente todo o país. O que temos que ter é gestão e investimento. Na última crise hídrica, em 2014, perguntavam o que podia ser feito. Mas, naquele momento não tinha o que fazer, qualquer investimento demanda prazo. Esperaram faltar água para agir. Depois, voltou a chover e as pessoas esqueceram o problema. Temos que nos precaver, mesmo que tenhamos sobra de água, temos que ter armazenamento para período de escassez. Isso é gestão inteligente”, indica.

A criação desses reservatórios em cavas de mineração é uma solução viável, acredita Flávio. “Os buracos já estão feitos. Ao redor, coloca-se vegetação e cria-se um parque. O custo de cavar já está pago, é zero. Faltam gestão, visão e vontade. Imagine que passemos por mais uma crise hídrica, poderemos ter problemas com falta de água”, finaliza.

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