Terra Nostra faz o rio-clarense Fabio Dias reviver fama nacional como ator e ele comenta sua atual vida de empresário
Ao final da década de 1990 o Brasil parava para ligar a televisão no horário nobre das 20 horas, na TV Globo. Era o momento de assistir à nova novela daquele tempo, Terra Nostra, do novelista Benedito Ruy Barbosa.
O escritor vinha de um sucesso pouco tempo antes, de O Rei do Gado, e as expectativas eram altas. O tema da novela que acabara de começar era sobre a imigração italiana para o Brasil, tema extremamente palpável para milhões de brasileiros descendentes e que carregam no sangue a memória afetiva da Itália. E o sucesso foi inevitável.
Terra Nostra foi eleita pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) a melhor novela de 1999 e os atores que ela fizeram foram alçados ao estrelado ao lado de Ana Paula Arósio e Thiago Lacerda, ou Giuliana e Matteo, os protagonistas. Neste contexto está o rio-clarense Fábio Dias, ou melhor, Amadeo – o melhor amigo de Matteo.
O líder operário que era casado com a personagem Hortência, vivida por Claudia Raia, foi interpretado pelo então novato ator de Rio Claro. Antes, Fábio Dias já sabia o que era a fama, afinal foi modelo internacional para grifes como de Giorgio Armani e Versace. Mas, foi na novela Terra Nostra que viu sua vida mudar completamente.
Em 2004, a produção global foi reprisada pela primeira vez. E, há algumas semanas, ganhou uma nova edição especial para faixa de reprises da emissora. Com isso, novamente o ator rio-clarense passa a reviver memórias e sentimentos de carinho e receptividade dos telespectadores. Afastado da televisão há alguns anos, Fábio hoje prioriza a família e a carreira que construiu enquanto empresário já há duas décadas. Ao Jornal Cidade, ele lembra sobre o início da carreira em Terra Nostra.
“Foi um período mágico, um privilégio participar do auge de um dos períodos mais brilhantes da televisão brasileira. Eu ia ao supermercado e não conseguia fazer compras, não podia ir a shoppings, não andava na rua. Tenho certeza de que muitos influenciadores hoje conseguem circular anonimamente, pois tudo é muito segmentado. Naquele tempo, a teledramaturgia tinha um poder enorme: entrava e invadia a casa de todos. Não havia outra opção de entretenimento. Era um ritual sagrado de reunião familiar. A família parava para acompanhar a história, já ansiosa pelo próximo capítulo. Era gostoso e tradicional: assistia-se ao Jornal Nacional e, em seguida, à novela. Havia pouco entretenimento, não existia essa exposição constante das redes sociais. Hoje, cansamos de ver a vida das pessoas pelo Instagram”, comenta.
A Reportagem da Semana entrevistou o ator Fabio Dias sobre estes momentos, a vida atual e empresarial. Confira a seguir o bate-papo completo. Andiamo!
Como você avalia sua performance em Terra Nostra olhando com o distanciamento de 25 anos? Houve algo que hoje você faria diferente?
“Como primeiro grande personagem que eu fiz na minha carreira, com 26 anos na época, numa novela da Globo e no horário nobre, com grandes artistas da época, minha primeira cena foi com Antônio Fagundes, Raul Cortez com quem eu muito contracenava, Claudia Raia, nomes de peso dentro da dramaturgia brasileira, eu acredito que fui muito bem. Obviamente que eu poderia fazer melhor se tivesse talvez mais experiência de vida, memória emocional, coisa que não tinha na época por ser muito jovem. Entreguei muito dentro do que eu poderia, eu estudava muito, me dedicava. Era muito focado. Considero que fiz um bom trabalho. Sempre dá para melhorar, mas ali naquele momento, com a idade que eu tinha, dentro do cenário onde estava, fiz um bom trabalho”.
Você acredita que novelas de época como Terra Nostra ainda têm relevância para o público jovem de hoje? Por que?
“Acho que a gente vai ter que pagar para ver, assim como a Globo, que vem de uma sucessão de baixas audiências e trabalhos não muito relevantes. Nem sei se é o trabalho em si ou a forma como está sendo produzido, mas talvez o público não esteja mais tão interessado no que eles estão oferecendo. Eles estão tentando com uma novela de sucesso, mas será que o público está interessado nessa história? Terra Nostra é uma história de vida, de tudo que aconteceu no país, na cidade de São Paulo, de como cresceu a cidade e o estado de São Paulo, da imigração italiana, de tanta coisa que vimos e aprendemos na escola. Será que essa geração hoje está interessada em ouvir isso? Será que essa geração está interessada em histórias de amor que às vezes se prolongam? É isso que vamos descobrir. Ao mesmo tempo, é interessante, porque o brasileiro joga sua história no lixo, joga seus ídolos no lixo. Acho uma ideia bacana, porque ainda existe público para isso. Sem dúvida, as pessoas mais velhas vão assistir. Tomara que dê certo, eu estou curioso.”
Como tem sido o retorno do público com a reprise de Terra Nostra? Você está recebendo mensagens ou lembranças de fãs que marcaram por causa do personagem?
“É um carinho muito grande, as pessoas sempre tiveram uma receptividade muito grande comigo. Terra Nostra foi um marco na televisão brasileira, na vida de todos nós que participamos naquele momento e as pessoas não esquecem até hoje. É impressionante. Recebo muito carinho dos fãs, das pessoas que acompanharam na época e de pessoas que estão acompanhando agora também. Tem uma nova geração que assistiu, por exemplo, Carrossel, que hoje acompanha Terra Nostra e comenta comigo, me manda fotos, sempre muito carinhoso o público comigo. Pessoas que também assistiram A Casa das Sete Mulheres, Kubanacan, enfim, outros trabalhos que eu fiz, com Renato Aragão (Didi) também, tem muita gente que se lembra e me manda mensagens com muito carinho”.
Você pretende retomar trabalhos como ator em novelas ou séries, ou sua prioridade atualmente é o empreendimento no ramo de cosméticos?
“Acabei me afastando mesmo já há alguns anos. Há dois anos, a última coisa que gravei foi “Impuros”. Era um personagem bacana e eu conhecia o diretor. Minha vida foi tomando outro rumo e a vida artística acabou ficando em segundo plano. No momento em que comecei a perceber essa mudança toda, há alguns anos, ainda na Globo – desde a época do “Big Brother”, quando foi lançado e estávamos gravando “A Casa das Sete Mulheres” – já percebia essa transformação. Acho que foi mais um direcionamento do gosto e da necessidade do público, a vontade de ter novas propostas, novos trabalhos, enfim, um novo entretenimento. Quando comecei a perceber essa mudança, ainda durante A Casa das Sete Mulheres, falei: ‘Acho que não quero mais isso aqui não. Já está ficando meio cansado, meio irritado com algumas situações’. Também pesava a questão do meu casamento, que não estava bem, por ciúmes na época. Isso também influenciou. Fui me afastando, mas ainda gravava muito “A Turma do Didi”. Depois voltei para “Kubanacan” já sem paciência, cansado daquele oba-oba. Falei: ‘Não quero, vou me esconder. Não estou a fim’. Então fui criar gado e morar numa fazenda. A partir dali, me separei, vim para Rio Claro e conheci a minha atual mulher, Susana. Ela engravidou. Eu vi que o mercado de cosméticos era interessante e falei: ‘Vou montar uma empresa de cosméticos’. Comecei a buscar outros caminhos e, nessa busca, surgiu a fábrica de cosméticos, que engrenou e já tem 18 anos. No fim, virou o sustento da minha família. Hoje tenho muitos funcionários e dezenas de famílias trabalhando aqui. Construí a fábrica há 18 anos, juntamente com a minha esposa Suzana Vilela que era bailarina e com quem estou casado há 21 anos, temos dois filhos maravilhosos, Nickolas que faz Jornalismo e a Anitha que é bailarina. Nós lutamos muito nesses 18 anos de fábrica para chegar no nível que estamos e não tenho a menor intenção de voltar a televisão”.
Como conciliar o trabalho cultural com o trabalho empresarial? Quais aprendizados trouxe dos dois mundos?
“Tudo o que vivi com o sucesso, a fama e o dinheiro daquela época – quando eu não sabia o que era ser famoso, ter dinheiro ou lidar com a impossibilidade de andar na rua no Brasil trouxe para minha vida atual. Isso me deu mais tranquilidade para administrar uma fábrica do porte que tenho hoje, com o faturamento e o número de funcionários que empregamos, ajudando tantas famílias. Carrego comigo um senso de sensibilidade e empatia. Procuro me colocar no lugar dos outros, assim como fazia com meus colegas atores e personagens. Para interpretar alguém, é preciso se colocar no lugar dessa pessoa. O ator é um grande observador da vida e das pessoas. O essencial é manter a mesma disposição, vontade de trabalhar, realizar, conquistar, compartilhar bons momentos e acreditar sempre. Sou extremamente positivo. A frase que repito aqui na fábrica é: ‘Desistir jamais’. Desistir não existe no nosso vocabulário”.
Que influência teve sua formação e vivência em Rio Claro no seu desenvolvimento artístico? Há pessoas aqui que você considera fundamentais na sua trajetória?
“Eu sai de Rio Claro muito cedo para jogar basquete, depois fui para fora do Brasil ser modelo. A influência do senso de família, de respeito, pelas pessoas, valores, hierarquia, isso tudo levei para a minha vida e levo até hoje. Não tive influência de ninguém artisticamente, ninguém da família foi para este caminho, ou colega ou alguém da cidade. Era uma vontade minha, um desejo meu, desde criança assistindo novelas juntamente com a família”.
Que projetos futuros você tem em mente, seja na atuação, produção ou em outras áreas, e qual legado você espera deixar para Rio Claro e para o cenário artístico brasileiro?
“Meu principal projeto é minha família e vai continuar sendo. Tendo paz e serenidade como tenho hoje, eu com minha esposa Susana e meus filhos, dando suporte a eles, o Nickolas faz jornalismo em São Paulo, a Anitha é uma bailarina que já está rodando o mundo, filhos criamos para o mundo, mas é aquilo que me enriquece todo o dia, com muito orgulho. Meu projeto é a minha família, e sem dúvidas, a fábrica seguindo adiante, crescendo com nossos colaboradores e suas famílias. Isso já é uma grande contribuição social enquanto cidadão, ajudando ao próximo, seja com trabalho, um olhar, uma palavra e dando condições para essas famílias também terem uma vida digna. O principal legado que posso deixar para Rio Claro é o de uma pessoa com resiliência, com muito foco e determinação, que acreditou nos seus sonhos, foi atrás, lutou e venceu, chegando onde chegou”.