A GRANDE LYGIA

Por Jaime Leitão

Aos 98 anos, a extraordinária escritora Lygia Fagundes Telles mergulhou definitivamente na dimensão e no universo das palavras.

A sua ficção, que tem um trânsito  permanente com a realidade e com o  cotidiano, também nos coloca diante do enigma da sua linguagem.

O seu conto “Seminário dos Ratos”, escrito e  publicado na década de 1970, que se passa em um país imaginário, poderia se passar no Brasil de hoje. Além da metáfora que esse conto carrega, há também elementos presentes no realismo fantástico. Esse, como muitos outros contos da autora, nos estimula a fazer várias leituras. Lygia nos enreda nas suas tramas  e nos coloca em xeque inúmeras vezes.

O que pode parecer no início uma simples narrativa, com personagens comuns, aos poucos vai se transformando em um jogo complexo, no qual, além dos fatos narrados, há a presença da reflexão, uma espécie de busca existencial que nos aprisiona e de uma certa forma nos liberta,  nos retira do tédio e da mesmice.

Uma frase de Lygia tem relação próxima com o conjunto da sua obra. Ela afirma: “ A beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da noite, está no crepúsculo, nesse meio tom, nessa incerteza…”.

É justamente essa incerteza bem construída nos seus contos e romances que nos propõe uma reflexão sobre as nossas próprias incertezas.

Lygia foi uma grande defensora dos direitos da mulher, em uma época que o feminismo no Brasil era pouco abordado. Foi também uma grande defensora  da liberdade de expressão, inimiga da ditadura e da opressão.

Agora, com a sua morte, o que nos resta? Ler e reler os seus livros e penetrar sem medo  nos labirintos das suas narrativas intrigantes e misteriosas.

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