O colaborador é cronista, poeta, autor teatral e professor de redação.

Jaime Leitão

Bolsonaro age como se vivêssemos um período maravilhoso, propício a festas e aglomerações. Parece que a pandemia não passa de uma construção midiática ou obra da oposição para derrotá-lo nas próximas eleições.

O cortejo de motocicletas, capitaneado pelo ex-capitão, no último domingo em Brasília, que para variar não usava máscara, exibe um país desgovernado, com um presidente que finge que as mais de 400.000 mortes causadas pela Covid-19 não passam de uma obra de ficção, um romance de Gabriel García Márquez ou José Cândido de Carvalho.

Bolsonaro nos lançou no irreal, com marcas visíveis de um trágico picaresco, algo como uma mistura de filme de Fellini com o teatro de Ionesco, sem a mesma força dramática e ao mesmo tempo cômica.

Dias antes, Bolsonaro se exibiu de moto, sem máscara e sem capacete, tendo na garupa o dono da Havan, um dos seus seguidores mais fiéis. Toda essa irrealidade esbarra no real doloroso de milhares de famílias que perderam seus filhos, irmãos, pais, vítimas da Covid e que fazem um esforço descomunal para superar essa dor imensa que as atinge. Fora os que estão ainda internados, em estado grave, sem saber se irão sobreviver a essa peste que ainda continua circulando em larga escala aqui e em muitos outros lugares.

Enquanto isso, a CPI da pandemia no Senado continua após depoimentos de ex-ministros, o atual ministro da Saúde e o presidente da Anvisa, Barra Torres. Torres, ao contrário do ministro Queiroga, foi claro e objetivo nas suas colocações, não fez média com o presidente. Já Queiroga , ministro da Saúde, o quarto deste governo, se manteve quase todas as 8 horas em que depôs em cima do muro, evitando discordar do seu chefe, o que poderia lhe custar a cabeça. Vivemos uma época estranha. É como se o universo paralelo em que vive o presidente e os seus ministros fiéis estivesse fazendo o possível e o impossível para prevalecer sobre os fatos que estão diante de nós, visíveis, escancaradamente visíveis. Quem vive essa realidade paralela se recusa a ver e a perceber o tamanho da tragédia que se mostra cada vez mais desesperadora, com vacinas faltando e o presidente insistindo na eficácia da cloroquina e de outros medicamentos que a ciência comprovou que não possuem nenhuma eficácia para combater esse vírus absurdamente devastador.

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