Como envelhecer é um processo que ocorre aos poucos, quanto mais cuidar da saúde física e mental, menores serão as chances de ter doenças crônicas
Uma população que vive cada vez mais. Segundo o Censo do IBGE 2022, o estado de São Paulo tem 66,3 idosos para cada 100 crianças. Em 2010, esse índice era de 36,5, evidenciando o processo de envelhecimento da população. Chegar à terceira idade, ou envelhecer, é uma fase natural da vida que, apesar de ser cercada de tabus e de algumas inseguranças, pode ser vivida com saúde e bem-estar. Manter o corpo em movimento é uma das melhores formas de viver a “melhor idade” e, nesta reportagem, profissionais da área da saúde e os principais interessados — os idosos — contribuem para quem ainda não aderiu à nenhuma atividade.
Para a médica especialista em Clínica Geral e Geriatria Juliana Garofolo Pires (CRM – SP: 121.500), a atividade física regular é um passo importante para um envelhecimento saudável: “O exercício físico ajuda a fortalecer os músculos, ossos e articulações, reduzindo o risco de quedas e fraturas. A atividade física também estimula o cérebro, melhora a memória e o humor, e combate a depressão e a ansiedade. Aumenta também a capacidade aeróbica, o que melhora a saúde cardiovascular e metabólica, contribuindo, por exemplo, para o controle da pressão arterial, dos níveis de colesterol e açúcar no sangue. Melhora a força, o que é essencial para manter a funcionalidade durante o envelhecer. Podemos afirmar que o exercício físico regular ajuda a reduzir a morbidade e mortalidade de doenças como hipertensão arterial, infarto agudo do miocárdio, diabetes mellitus, osteoporose, entre outras”, afirma.
Juliana também reforça que o exercício físico libera endorfinas, que são essenciais para a sensação de bem-estar e felicidade, mantendo um cérebro mais ativo e menos propenso a momentos de tristeza, angústia e ansiedade: “Estar ativo fisicamente é necessário para também termos um cérebro feliz e emocionalmente saudável”, reforça.
Os benefícios são muitos, mas a doutora pontua que é importante se submeter a uma avaliação médica antes de iniciar um programa de atividades: “É importante a avaliação médica para identificar doenças preexistentes ou condições de saúde que podem ser agravadas pela atividade física, como problemas cardíacos, respiratórios ou osteoarticulares. A avaliação ajuda a identificar possíveis riscos de quedas e fraturas, especialmente em idosos com osteoporose ou outras condições que afetam a força óssea. Servirá também para, juntamente com o professor de Educação Física, recomendar atividades físicas adequadas ao nível de condicionamento físico do idoso, evitando sobrecarga e lesões. O mais importante é o idoso respeitar seus limites e observar seu corpo e, caso apresente qualquer sintoma de dor ou desconforto, sensação de tontura, picos de aumento da pressão arterial, é melhor interromper a atividade física e relatar tais sintomas ao médico e ao profissional de Educação Física para que intervenções e investigações sejam feitas”.
A OMS recomenda que idosos façam pelo menos 150 minutos de atividade física aeróbica de intensidade moderada por semana, ou 75 minutos de atividade vigorosa, ou uma combinação equivalente. Além disso, é importante realizar atividades de fortalecimento e equilíbrio de duas a três vezes por semana, em dias alternados.
Organização Mundial da Saúde (OMS)
Para o educador físico Alexandre Pamplona (CREF 056822-G/SP), a atividade física na terceira idade também é considerada primordial: “Quando alguém nesta fase da vida chega para realizar um acompanhamento físico comigo, procuro fazer uma anamnese. Nela, procuro buscar o máximo de informações sobre o aluno: doenças, lesões, dores pré-existentes, nível de condicionamento físico relacionado com a atividade diária e experiência com a musculação”, afirma.
Outro ponto essencial para Pamplona são as limitações: “No caso de alunos idosos, esses cuidados devem ser dobrados: tempo de recuperação entre as séries, pouca intensidade, pouco volume de treino, cargas leves e exercícios de fácil execução. É fundamental que o trabalho seja multidisciplinar: médico, fisioterapeuta ou um nutricionista. Normalmente, eles nos procuram por indicação desses profissionais”, diz.
Ele ainda fala sobre adaptações e que não é porque se está na terceira idade que algo precisa ser evitado: “Idosos podem fazer qualquer atividade física. Inclusive, tem uma turma no Rio de Janeiro que joga vôlei de praia e faz um tremendo sucesso no Instagram. Jogo futebol de campo com um amigo de 67 anos, tive um aluno de corrida de rua que começou aos 80. É claro que isso vai depender de cada caso. Toda atividade pode ser adaptada e iniciada, mas a musculação é, com certeza, a mais indicada e segura.”
O profissional, que já trabalha há 30 anos com treinamento personalizado (estética, recuperação de lesões, corredores, lutadores etc.) e atendendo na sala de musculação, diz que poderia até escrever um livro sobre relatos de alunos: “Teve uma aluna que me marcou bastante. Ela, com 80 anos, sedentária, contratou meus serviços de treinamento personalizado para conseguir ir andando até a igreja e assistir à missa de domingo, sem depender dos filhos que não moravam na mesma cidade. Logicamente, ela iria com a cuidadora, mas precisava de condicionamento, equilíbrio e fortalecimento para cumprir a caminhada de aproximadamente 600 metros até a igreja e voltar, totalizando 1.200 metros, com intervalo de descanso sentada durante a missa. Após fazer um estudo do melhor percurso, fizemos um treinamento de seis meses, na residência dela, com peso livre e do corpo. Utilizei caneleiras, elástico e caminhadas curtas que foram gradativamente aumentando, até que finalmente fizemos a primeira caminhada até a igreja. Fiz questão de ir junto e ver a alegria dela ao chegar para assistir à missa depois de tanto tempo. Minha emoção foi comparada à de um treinador cujo atleta ganha uma medalha olímpica. Ser educador físico é isso: estudar, aprender e ajudar os outros a conquistar seus sonhos, sejam eles quais forem”, conclui.
Bem-estar físico e mental
Aos 82 anos, o engenheiro Lincoln Magalhães tem na rotina frequentar a academia seis dias por semana, de segunda a sábado. Acontece que esse hábito não o acompanhou sempre, começou já na terceira idade, aos 66 anos: “Nunca fui de fazer atividades físicas na juventude. Sempre tive um alto grau de hipermetropia e isso me obrigava a usar óculos muito grosso. Aliado a isso, eu era bem magro e confesso que sofri bullying nessa fase. Então eu era zero nessa parte, não tinha habilidade nenhuma para o esporte, apesar de ter altura naquela época até mesmo para ser jogador de basquete. Para não dizer que eu não conquistei nenhuma medalha, no colegial, eu fui campeão de xadrez”, relembra.
A virada de chave veio no ano de 2009, durante uma consulta médica: “Durante um check-up com meu médico geriatra, ele foi muito enfático comigo, me dizendo que eu deveria procurar uma academia e me movimentar. Foi o que eu precisava ouvir porque eu sempre fui muito ‘cabeça de ferro’, a expressão ‘CDF’. Eu não me atraso, eu não falto a compromissos, é o meu jeito. Se é minha obrigação fazer, você pode ter certeza que eu vou fazer. E assim eu fiz. Imediatamente eu procurei uma academia e há 16 anos que eu estou nela com o mesmo personal”, conta.
O ultimato foi o que Lincoln precisava ouvir para se sentir melhor fisicamente e mentalmente. Recentemente, passou por uma cirurgia e a recuperação surpreendeu: “Precisei fazer um implante de prótese de joelho e a expectativa era de uma certa demora para a recuperação física, porque foi uma intervenção importante, e ao contrário, foi super rápida. Com 30 dias, já estava dirigindo. Muito disso, segundo o meu fisioterapeuta e o meu personal, foi em razão do meu preparo físico, da memória que o meu corpo adquiriu ao longo desse tempo na academia”, revela.
Nesse contexto, o engenheiro ressalta uma outra condição que frequentar a academia lhe proporcionou: “Existem estudos que mostram que, a partir de uma certa idade, é fundamental você fortalecer amizades e grupos de conhecimento. Então, ir até a academia também tem muito disso. Fico no local das 8 às 9 da manhã, e os grupos que eu encontro lá vão variando, e eu sou o mesmo. Então, de uma certa forma, eu transito entre todos e olha que a grande maioria é mais jovem que eu. Então, além de eu estar contribuindo para o meu corpo, essa rotina também me fornece um ganho psicológico e social enorme”, conta.
Lincoln também enaltece a relação que estabeleceu com o fiel aliado, o personal Bruno Giusti, que o acompanha há tantos anos: “É interessante essa troca, pois o profissional vai se habituando com a sua vida e direcionando o que é melhor em cada momento, em cada fase. Não tem uma única vez que eu não chegue e ele não pergunte como eu passei a noite, o que eu comi no café da manhã. Existe essa preocupação, e tudo isso contribui para a minha evolução”, finaliza.
Compromisso com a saúde
Quem passa no período da manhã, de segunda a sexta-feira, pela academia ao ar livre instalada na Avenida Brasil, em Rio Claro, vai encontrar com certeza S eu Antonio Francisco de Oliveira. Aos 67 anos, o morador do bairro Santa Cruz sai de casa de bicicleta para ir até o local cinco vezes por semana: “Já venho pedalando para chegar aquecido para iniciar os exercícios”, conta ele.
O aposentado incluiu na rotina as atividades físicas depois que parou de trabalhar: “Foram mais de 40 anos na labuta e, quando não tive mais o compromisso diário com o trabalho, senti falta de algo para me ocupar. Foi quando introduzi os exercícios em minha rotina. Tenho pressão alta e sofro com inchaço nas pernas e, conversando com meu médico, vi o tanto que a atividade física poderia contribuir com a minha melhora”, comenta.
Além dos benefícios no corpo, ele revela outros ganhos que notou ao longo dos últimos anos: “Sem dúvida a minha disposição melhorou muito, e o fato de estar aqui me exercitando ao ar livre me proporcionou fazer amizades. Converso com outras pessoas que usam o local, vamos revezando os aparelhos, é uma verdadeira terapia. Não mexe apenas com o corpo, mas também, de uma forma positiva, com a saúde mental, fato que eu considero muito importante. Durante a pandemia, eu senti um vazio muito grande em não poder fazer as atividades no local e, quando pude retornar, percebi realmente a diferença. Decidir me exercitar foi uma grande virada de chave para envelhecer com mais qualidade de vida”, finaliza.