Folhapress/ Angela Pinho

O caráter fechado do grupo de WhatsApp em que se defendeu golpe de Estado é secundário para a análise jurídica da operação policial contra empresários, realizada na terça-feira (23), dizem advogados ouvidos pela Folha de S.Paulo.

Para a maioria deles, as falas dos integrantes do grupo divulgadas até o momento não indicam crime ou incitação ao crime. Se houvesse algum indício nesse sentido, não importaria que tivessem sido ditas em âmbito privado, afirmam.

A operação contra os empresários foi deflagrada na terça-feira (23). A pedido da Polícia Federal, o ministro Alexandre de Moraes autorizou buscas, quebra de sigilo bancário e telemático e bloqueio das contas dos investigados nas redes sociais.

Foram alvos da operação Marco Aurélio Raymundo, da Mormaii, Luciano Hang, da Havan, José Isaac Peres, da rede de shopping Multiplan, Ivan Wrobel, da Construtora W3, José Koury, do Barra World Shopping, André Tissot, do Grupo Sierra, Meyer Nigri, da Tecnisa, e Afrânio Barreira, do Grupo Coco Bambu.

Nesta quinta-feira (25), a Folha de S.Paulo revelou que a decisão de Moraes atendeu a um pedido da Polícia Federal que tinha como base somente reportagem sobre as conversas. A decisão, no âmbito do inquérito das milícias digitais, não foi divulgada.

As mensagens foram reveladas pelo site Metrópoles.

Em uma delas, o empresário Koury disse preferir um golpe à volta do PT e declarou que “ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil” caso o país vire uma ditadura.

“A mera conjectura não é crime”, diz a criminalista Arianne Câmara Nery, que também é integrante do Pleb – Grupo de Pesquisa dobre Liberdade de Expressão da PUC-Rio.

Para ela, o fato de as mensagens terem circulado em grupo fechado reforça a ausência de incitação à quebra da ordem democrática e aumenta o caráter abusivo da operação.

“A quebra de sigilo implica uma invasão à esfera de privacidade, dá acesso a um número enorme de mensagens. As decisões para justificar busca e apreensão teriam que estar muito bem fundamentadas”, afirma.

Para o advogado e professor de processo penal da Faculdade de Direito da USP Gustavo Badaró, o embasamento da operação com base apenas em uma reportagem seria muito fraco -ele deu a declaração antes de a Folha revelar que foi justamente essa a base do pedido da Polícia Federal.

Para ele, as mensagens trazidas a público, embora lamentáveis, não trazem em si incitação ao crime.

Badaró avalia ainda que o bloqueio das contas bancárias e em redes sociais com base apenas no teor das conversas seria abusivo por não ter a finalidade de ajudar a colher elementos para investigação.

Criminalista e professor da FGV-Direito, Celso Vilardi também condena o teor das mensagens, mas não crê que elas tragam indício da execução de qualquer crime.

“Tem até uma frase que fala de financiamento de campanha, mas, se ela for considerada indício, seria caso para a Justiça Eleitoral, não para o STF”, afirma.

Ele se refere à sugestão de Koury, segundo o Metrópoles, de pagamento de bônus a funcionários que votassem seguindo a indicação dos empresários.

“Sou absolutamente favorável ao posicionamento do Supremo de que a liberdade de expressão encontra limites”, afirma Vilardi. “Se as conversas falassem em organizar ou financiar um golpe, estariam no campo da ilicitude, mas não é o caso pelo que se sabe até agora.”

Os crimes contra as instituições democráticas estão previstos nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal.

O primeiro diz: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.

O segundo diz: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.

Especialista em direito digital, Patricia Peck não entra no mérito sobre a legitimidade da operação, mas avalia que o fato de as afirmações terem sido feitas em um grupo privado de WhatsApp pouco importa.

Ela faz uma analogia com uma casa na qual se saiba que há um sequestro ou tráfico de drogas em curso.

Da mesma forma que não se pode praticar crimes numa casa, o mesmo vale para um grupo de WhatsApp.

Ela cita ainda que já há inclusive decisões judiciais que responsabilizam administradores de grupos por omissão em caso de crimes cometidos em mensagens por outros integrantes.

Para ela, se fosse um grupo muito pequeno, de uso familiar, haveria mais base para argumentar que o uso é doméstico. Mas, como o limite de um grupo de WhatsApp é de até 256 pessoas, a advogada avalia que o argumento de âmbito privado é mais fraco nesse caso.

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