ARTUR RODRIGUES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) –

Uma ação que começou como uma ofensiva do ex-prefeito de São Paulo João Doria (PSDB) contra pichadores no início de sua gestão deverá continuar assombrando quem quer que seja eleito para o cargo neste ano.
O muro com grafites apagado na avenida 23 de Maio virou um jardim vertical cuja manutenção custa R$ 1,5 milhão ao ano –e a galeria a céu aberto para alocar as pinturas virou mais uma parede pichada e malcuidada.
Outro muro, o de vidro da USP, pensado para se tornar uma marca de Doria, revelou-se um mico. Agora, as ações são criticadas por adversários, que veem desperdício de dinheiro público, contrariando promessas iniciais de que o município não teria prejuízos.
Na época em que a maré cinza de Doria varreu as paredes da cidade, o atual chefe do Executivo, Bruno Covas (PSDB), era titular das subprefeituras à época, responsável pela zeladoria. A gestão tucana mirou pichadores, mas acertou os grafiteiros.
Os grafites haviam sido patrocinados pela gestão de Fernando Haddad (PT), derrotado por Doria em 2016. O tucano anunciou o maior “corredor verde do mundo em um eixo urbano” para ocupar o lugar que era das obras de arte.
O projeto do muro custou de R$ 9,7 milhões. A obra foi controversa, porque contou como compensação ambiental. Já a manutenção foi entregue a uma empresa que, posteriormente, desistiu de fazer o serviço alegando falta de condições financeiras.
Sem cuidado, as plantas chegaram a secar. A gestão Covas revitalizou o muro, que hoje apresenta um frondoso jardim. O problema ali está no custo: renovado em maio por 12 meses, o contrato custa R$ 128 mil por mês.
A reportagem questionou se a gestão Covas cogita retirar o muro devido ao custo, mas, em nota, a prefeitura afirmou apenas que a empresa contratada faz a manutenção regularmente, incluindo limpeza e troca de mudas, além de manutenção no sistema de irrigação.
O secretário do Verde e Meio Ambiente na época da instalação, o vereador Gilberto Natalini (PV), diz considerar o espaço um erro de gestão. Ele foi contrário ao muro, por julgar que não fazia sentido usar dinheiro de compensação ambiental.
Para que o muro tivesse relevância ecológica real para a cidade seria necessário que tivesse mais de 1.500 km –distância similar ao trajeto de São Paulo a Cuiabá, em Mato Grosso
Natalini lembra que a ideia de utilizar esse tipo de muro começou na gestão Haddad, em prédios no entorno do Minhocão. Doria, porém, ampliou o uso do recurso.
“Mas o Doria quis de qualquer forma fazer o muro, insistiu, praticamente obrigou a administração a fazer o muro”, diz o vereador. Esse foi o primeiro dos desgastes que acabaram com a demissão de Natalini, que posteriormente faria denúncia sobre irregularidades na cidade.
Para compensar a má repercussão do apagamento de grafites pela cidade, Doria criou um programa de galerias a céu aberto, os MARs (Museus de Arte de Rua). O projeto foi inspirado em um bairro de Miami (EUA), Wynwood, que atrai mais de 1 milhão de visitantes por ano.
Embora depois na gestão Covas grafites tenham proliferado em empenas na cidade, o primeiro espaço inaugurado por Doria que deveria virar ponto turístico, na rua Moacyr Vaz de Andrade, na zona norte, é um muro pichado e descascado, sem sinal de visitante algum.
A gestão Covas diz que o programa MAR está em sua terceira edição, com orçamento de R$ 1,4 milhão, com sete empenas e dez muros finalizados em 2020.
“Doria é um ‘contêiner’ amarrado nas costas do Bruno. Os muros verdes da 23 de Maio são um exemplo de desperdício de dinheiro público”, diz Márcio França (PSB).
“Outro exemplo é o muro de vidro da USP, típica marca do governo Bruno-Doria: rápida, marqueteira e inútil”, completa o opositor, que também citou o assunto no debate da última quinta-feira (1º).
Feita inicialmente pela iniciativa privada, a obra na USP era outra aposta dos tempos em que Doria lançava projetos-relâmpago em busca de uma marca eleitoral. Orçada em R$ 15 milhões, a iniciativa foi bancada por dinheiro privado e não deveria custar nada aos cofres públicos.
No entanto, com os vidros constantemente quebrados, o muro virou um problema para a prefeitura sob Bruno Covas e também para a USP.
Laudos da Polícia Civil indicam que houve falha na instalação que levaram a quebras recorrentes das placas. A falta de uma peça de borracha para calçar as placas facilitaria a quebra.
Agora, todos querem distância da responsabilidade sobre a iniciativa.
A prefeitura afirma que o muro não é mais problema dela. “O muro de vidro foi viabilizado por meio de parcerias com a iniciativa privada, após entendimento entre a prefeitura e a Universidade de São Paulo, que realizou chamamento público dos parceiros. A prefeitura já se colocou à disposição para prestar apoio técnico caso a USP julgue necessário”, diz a gestão Covas, em nota.
Questionada sobre os muros da USP e da 23 de Maio, a assessoria do governo Doria afirmou que ele “iniciou o processo de revitalização da raia da USP, assim como o muro verde da Avenida 23 de maio”. “A continuidade dos projetos e as manutenções serão realizadas pelos atuais responsáveis.”
Já a USP afirmou que as obras no muro estão paralisada devido à pandemia e que serão ” retomadas tão logo seja possível”. A instituição não deu detalhe sobre a obra.
Entre os adversários, há muitas críticas, mas poucas ideias sobre o que fazer com os muros deixados por Doria.
“Vamos ouvir a população sobre o que deve ser feito em casos como estes, emblemáticos do elitismo e da arrogância do PSDB. Se os paulistanos tivessem sido ouvidos, milhões de reais desperdiçados por conta dos caprichos estéticos de Doria poderiam ter sido destinados à criação de vagas em creches e à contratação de médicos na periferia”, afirmou a campanha de Guilherme Boulos (PSOL).
Já Andrea Matarazzo (PSD) diz que gosta da ideia do muro da 23 de Maio, apesar do preço, mas diz que o da USP ele mudaria.
“[Vou] trocar todos aqueles vidros por uma cerca igual à que eu coloquei no Parque do Povo, que é uma cerca de ferro, que permitiria você enxergar a paisagem. Isso não custaria nem 10% daquilo lá [muro de vidro] e seria definitivo.”
Para Matarazzo, o maior mico da gestão será a reforma do Vale do Anhangabaú.
A campanha de Jilmar Tatto (PT) afirmou que Doria priorizou obras desnecessárias, em contexto em que a cidade tem quase 30 mil pessoas vivendo em situação de rua e déficit habitacional de 474 mil. Segundo a assessoria do petista, o muro da USP ainda gera prejuízos com quedas e problemas de manutenção.
“Já o muro verde da 23 de Maio só expôs o caráter higienista da gestão Bruno/Doria. A arte precisa ser vista. Sem contar a censura à liberdade de expressão e os danos ao patrimônio público, como apontou o Ministério Público. Doria trata São Paulo como a sala de sua mansão”, declara a campanha de Tatto.

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