Folhapress

Entre os jovens brasileiros, alguns assuntos são quase unânimes. É o caso da saúde (99%) e da educação pública -está tanto no nível básico e médio (98%) quanto no superior (97%). Além disso, a adoção de crianças por casais homossexuais também tem alta aprovação (83%).

Ou seja, independente da idade, posição política e renda familiar, a vasta maioria concorda com estes temas.

Segundo o Atlas da Juventude, cerca de 50 milhões de pessoas no Brasil são jovens -parcela da população que tem de 15 a 29 anos.

A maioria concorda também em outras pautas, mas não com tanta adesão. É o caso, por exemplo, das cotas raciais, apoiadas por 69%. Já temas com como descriminalização da maconha, aborto e pena de morte dividem os jovens.

Os resultados são de uma pesquisa Datafolha, que realizou 1.000 entrevistas com jovens nos dias 20 e 21 de julho em 12 capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Recife, Porto Alegre, Curitiba, Goiânia, Brasília, Manaus e Belém). A margem de erro é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%.

Para Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo da ONG Todos Pela Educação, a opinião dos jovens em relação à educação e saúde pública mostra que este não é um assunto que está em disputa na sociedade. Por outro lado, ele considera que o resultado da questão sobre cotas raciais mostra que este ainda é um tema envolto em discussões políticas e ideológicas.

A porcentagem dos jovens favoráveis às cotas ainda é superior quando comparada com toda a população do Brasil. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em junho de 2022, 50% da população se declara a favor da ação.

Giovani Rocha, cofundador da Mahin Consultoria Antirracista, afirma que não se surpreende com os números. Para ele, a população vai começar a entender amplamente a importância das cotas quando negros passarem a ocupar determinados espaços e tiverem acesso a mais conhecimento sobre a verdadeira história do país.

As taxas de aprovação às cotas mudam de acordo com a preferência política dos jovens. Enquanto 53% dos eleitores de Jair Bolsonaro (PL) concordam com a ação, a porcentagem sobe para 77% entre quem vota em Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Acredito que os eleitores do Lula são os mais próximos das discussões sobre identidades e como diferentes pessoas são impactadas pela realidade em que vivemos. Ao estarem mais próximos, estão mais expostos ao conhecimento em relação às desigualdades do Brasil a partir da ótica racial”, diz.

A pesquisa ainda aponta que o apoio às cotas aumenta conforme cresce a renda familiar. A cientista política Nailah Neves Veleci considera que “o acesso à informação e o tempo para realizar buscas acerca de um tema é um privilégio.”

Ela destaca também a diferença entre o apoio à adoção de crianças por casais homossexuais (83%) e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (73%).

“Jovens compreendem que essas crianças precisam ter uma família. Porém, quando isola para casamento pessoas do mesmo sexo, há um apagamento”, afirma Veleci, que também é pesquisadora do Maré – Núcleo de Estudos em Cultura Jurídica e Atlântico Negro.

A universitária Sarah Rachel Paulino Andrade, 19, defende a descriminalização da maconha e do aborto e é a favor tanto do casamento de pessoas do mesmo sexo quanto a adoção de crianças por casais homossexuais. “O que vai definir família é o amor”, resume.

Para ela, descriminalizar a droga -item defendido por 50% dos jovens- seria uma forma de controlar o tráfico e diminuir a repressão policial contra jovens negros e periféricos. “Vemos jovens morrerem ou sendo agredidos por uma grama de maconha”, afirma.

Segundo uma pesquisa feita pela Agência Pública, Sarah tem razão. O levantamento analisou cerca de 4.000 sentenças sobre crimes relacionados a drogas no estado de São Paulo em 2017 e mostrou que negros são condenados portando quantidades menores de drogas.

Assim como a grande maioria dos jovens (79%), ela é contrária à descriminalização de todas as drogas e concorda, mas concorda com o aborto -defendido por 49%. “É um tema que costuma estar sempre ligado à religiosidade e não como uma questão de saúde pública.”

A antropóloga Silvia Borelli, da PUC-SP, afirma que metade dos jovens concordarem com a descriminalização do aborto já demonstra um progresso na discussão deste tema.

A taxa de jovens que concordam com a interrupção da gravidez é bem superior do no geral da população. Uma pesquisa Datafolha divulgada em junho apontou que a parcela que considera que a legislação deveria permitir a interrupção da gravidez em mais situações era de 18%. O apoio à legalização da interrupção da gravidez em qualquer situação era de 8%.

A nova pesquisa aponta ainda que três em cada quatro jovens são contra a liberação da posse de armas. Os números mudam de acordo com as ideologias dos jovens. Entre aqueles que se consideram de direita, 57% são favoráveis a liberação do uso de armas. Já entre os de esquerda, 87% são contra.

Moradora de Guarulhos (na Grande São Paulo), Sarah diz ser contra o relaxamento das restrições devido a algumas situações que já viveu. Sua mãe é dona de um bar e ela conta que é comum que, depois de alguns copos de bebida, alguns clientes comecem a mostrar suas armas “como se fosse um troféu”.

Ela ainda crítica a pena de morte -defendida por 44% dos jovens, segundo a pesquisa. “Não sou a favor. Poderíamos ter condenações mais severas para alguns crimes, mas a cadeia existe para ressocializar as pessoas.”

A antropóloga Silvia concorda com Sarah e atribui a alta taxa de favoráveis à pena de porte como resultado da disseminação de frases como “bandido bom é bandido morto”.

Para a cientista política Veleci, os resultados mostram que temas como aborto e drogas são tabus para a sociedade brasileira independente da idade. “Jovens têm mais acesso à informação na internet do que os mais velhos, mas ainda se esbarram em argumentos dentro da bolha, que normalmente é a familiar”, diz.
Ela define a atual geração de jovens como crítica e com conhecimento da questão racial e do debate sobre orientação de gênero, mas ainda antiquada.

E, pontua que os jovens compõem uma parcela que cresceu em meio a um bolo de negacionismo misturado com fake news. “É complicado saber onde acessar informação confiável.” “[Os jovens] podem estar começando a despertar, mas ainda não encontraram onde achar os argumentos.”

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