IVAN FINOTTI – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Se o WhatsApp foi fundamental para a proliferação de fake news nas eleições de 2018, agora esse serviço está ajudando a viralizar campanhas divertidas e fazendo de pequenos candidatos verdadeiras estrelas da política nacional.

Espalham-se pelo Brasil dezenas de candidatos que disputam a eleição de novembro com nomes engraçados (como a carioca Capitã Cloroquina ou o recifense Marcos Smoke, que defende a liberação da maconha), espantosos (caso dos senhores Paulo Bosta e Merda, ambos do interior paulista) ou estapafúrdios.

Em 2018, o sul-matogrossense Rola fez sucesso nacional anunciando “Rola neles” na eleição à Assembleia ou, quando estava com seu suplente Bola, “se Rola entrar, será com Bola e tudo”.

Um dos melhores exemplo da fama instantânea adquirida pelo WhatsApp é Nairon Bilhalva de Souza, um candidato a vereador da pequena Esteio, cidade com 68 mil eleitores e que faz parte da Grande Porto Alegre (RS).

O trunfo de Nairon tem a ver com seu nome de batismo, uruguaio, segundo ele conta, e que deve ser lido como Náiron. No entanto, é com a fonética de Nairôn mesmo que ele viralizou no país. Usando o sucesso mundial da música “All Night Long (All Night)”, de Lionel Ritchie, o filho de Nairon adaptou a letra da música para incluir as promessas de campanha do pai.

A versão foi gravada e aplicada em cima do videoclipe original da música. Assim, é o próprio Lionel Richie quem parece cantar para nós. “Meus amigos, a hora chegou/ De votar em alguém pra mudar/ Já cansamos daquelas promessas/ É sempre aquele blábláblá”.

E lá vem o refrão destruidor “Ooh Nairon” em vez de “All Night Long”.

“Essa história começou em 1983. Eu tinha 15 ou 16 anos”, puxa pela memória Nairon. “Um dia eu cheguei na escola e todos começaram a cantar ‘Ooh Nairon/ All night/ Ooh Nairon’. A coisa pegou”, diverte-se o ex-corretor de imóveis de 53 anos. “Há alguns dias, na caminhada que fizemos pela cidade com o carro tocando o jingle, as pessoas dançavam na rua”, conta ele, que sai pelo PTB. Na verdade, uma versão dessa música já tinha sido usada na campanha anterior de Nairon.

Mas em 2016, não houve clipe com o Lionel cantando… “Tive 557 votos e, para se eleger aqui, é preciso atingir 1.300 ou 1.400. Agora vai”, acredita ele, que não foi notificado por gravadoras sobre o uso não autorizado da canção e espera que Lionel em pessoa assista o vídeo. “Sou fã dele.”

A 25 km de Nairon, uma outra candidata a vereadora, essa de Porto Alegre, também se surpreendeu com a viralização de sua campanha. Mas, diferentemente de Nairon, o maior responsável aqui foi a adulteração do santinho.

Além do texto “Tia Carmen – Mulheres Livres – Vote 22.336 Vereadora”, algum fanfarrão escreveu em cima: “Dona do putero. Vote em mim ou eu conto”.

Isso porque a candidata do PL dirigiu, por 20 anos, a boate mais conhecida de Porto Alegre, o Carmen’s Club, hoje fechado devido à pandemia da Covid-19. Segundo ela conta, o local recebia acompanhantes para executivos e, é claro, executivos para serem acompanhados. Além disso, tinha um motel no anexo.

Quando as primeiras mensagens com o santinho adulterado apareceram, foi um balde de água fria. “Uma parte da equipe ficou bem chateada e quis acionar o jurídico. Mas nós, do marketing, percebemos que seria muito favorável”, diz uma assessora.

Dito e feito, novas variações continuam surgindo, sabe-se lá de onde: “Votem na Tia Carmen ou eu conto”, “Tia Carmen na câmara”, “Tia Carmen vai colocar ordem na zona” e por aí vai.

“Sou uma pessoa que leva a vida de maneira muito leve, então não me incomodei”, conta Tia Carmen, cuja bandeira é pelas mulheres vítimas de violência doméstica. “Já ajudei muitas no Carmen’s Club e, quando reabrir a boate, não vai mais ser boate. Vai ser uma ONG para elas. Ganhando a eleição ou não”, promete ela.

Promessas parecem não ser o suficiente para o baiano Marcos Henrique Barros Pereira, mais conhecido em Santa Maria da Vitória (BA) pelo seu nome profissional, Neguinho Celular. O que chamou a atenção para sua campanha foi ele aparecer “apoiado” por duas personalidades políticas de primeiríssima grandeza: Bolsonaro e Lula.

Cada um de cada lado, o presidente e o ex-presidente aparecem ladeando o sorridente Neguinho Celular sob o sugestivo slogan “Juntos somos mais fortes”.

Só que Neguinho Celular explica: “é tudo resenha”, ou seja brincadeira, piada, zoeira. “Fazer propaganda política dessa forma seria podre, coisa de gente covarde”, afirma o candidato pelo Avante.

“Na minha campanha verdadeira não tem isso”, diz ele, apesar de concordar que a peça “deu um esquentada na minha campanha”. Seu outro trunfo é um vídeo do ex-jogador Vampeta externando apoio a ele.

Questionado sobre para que lado pende, Neguinho Celular foi político: “Lula teve sua participação, foi bom, para que falar mal? Mas agora estamos com Bolsonaro, vamos torcer por ele”.

Quem não está gostando muito da zoeira causada pela propaganda gratuita da viralização é o Power Ranger Verde, personagem de Ranerson José Alves Landim. “Algumas pessoas acham que estou aqui para brincadeira, que estou zoando a política, mas a história é outra”, diz o candidato a vereador em Juiz de Fora (MG), pelo Avante.

Fã desde criança do seriado dos heróis, há sete anos Ranerson passou a se vestir assim para eventos de quadrinhos e séries, e não, como todo mundo pensa, para ganhar dinheiro animando festinhas infantis. “Sou um cosplay”, ele conta.

No meio do caminho, foi chamado para visitar crianças em creches, escola e hospitais, e isso mudou sua visão de vida. Recebeu um convite do partido e agora busca mudar as coisas na cidade, como aumentar o número de leitos de UTI na região. “Lançarei um aplicativo chamado Gabinete Virtual em que todos poderão falar comigo, me cobrar, apontar problema e receber satisfações”, diz ele, sempre muito sério.

O WhatsApp, no entanto, se ajuda esses candidatos a se tornarem mais conhecidos, nunca deixou de disseminar notícias falsas. É o caso da candidatura de Cassiano Piccoli para vereador pelo PSDB em Matinhos (SC). Por ter apresentado deficiência no crescimento, ele é conhecido por muitos na cidade simplesmente como Anão.

E o santinho com seu rosto e as inscrições “Anão – Dos males o menor” vive sendo encaminhado pelo serviço. Isso desde pelo menos 2012, que foi quando Piccoli realmente se candidatou.

“Foi uma experiência muito grata, que a gente leva para a vida”, diz ele, que trabalha no escritório de contabilidade da família e a cada eleição vê o interesse em sua campanha voltar.

“Não, só me candidatei aquela vez”, esclarece. “Não fico constrangido com o apelido, eu escuto desde criança. E o slogan, dos males o menor, eu fiz com um parceiro. Era para ser um tapa na cara da sociedade do tipo ‘eu roubaria, mas roubaria pouco’, para desmoralizar a política. Na época os outros candidatos queriam me matar”, lembra. Com 166 votos conquistados, a maioria de amigos, ele teria que ter três ou quatro vezes mais para garantir sua cadeira.

Caso semelhante é o do paranaense Clark Crente, que tem mesmo a cara do Super-Homem. Sua tentativa (fracassada) a deputado estadual, no entanto, foi em 2014. Desde então, ele se tornou o Homem Invisível. Menos no nosso WhatsApp, onde ele vive reaparecendo a toda hora.

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