Foto de NOAA na Unsplash

JÉSSICA MAES – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No começo do mês, a notícia de que a camada de ozônio estará completamente restaurada em algumas décadas funcionou como um lembrete do que a humanidade é capaz quando se une em torno de um objetivo comum. De acordo com cientistas, se as políticas atuais continuarem em vigor, o rombo na camada protetora da atmosfera sobre a Antártida deve se recuperar até 2066.

O trabalho de fechar o buraco na camada de ozônio -na verdade, existem alguns pontos desgastados, mas o mais crítico fica perto do polo sul- começou com um tratado fechado em 1987.

O Protocolo de Montreal é um acordo internacional projetado para eliminar gradualmente a produção de substâncias responsáveis pelo declínio nos níveis de ozônio na atmosfera. Ele entrou em vigor em 1989 e foi adotado por 197 países, além da União Europeia, o que faz deste um dos poucos acordos ratificados universalmente na história.

Ele foi precedido por anos de negociações. Desde meados da década de 1970, já se sabia que os clorofluorcarbonetos (compostos baseados em carbono, cloro e flúor, conhecidos como CFCs) produzidos pelas atividades humanas estavam destruindo o ozônio atmosférico. Mas foi só a partir de 1985, quando pesquisadores britânicos descobriram um buraco sazonal na camada de ozônio sobre a Antártida, que o tamanho do problema ficou evidente.

Essa camada protege a Terra da radiação ultravioleta do Sol, tornando o planeta habitável -ou seja, a destruição dela representava uma ameaça a todos os seres vivos e demandava ação imediata. Mesmo assim, houve uma lacuna entre o achado científico e a movimentação política para resolver a situação.

“O Acordo de Montreal ficou sendo negociado por cerca de cinco anos por causa da oposição das indústrias”, afirma Paulo Artaxo, especialista em química atmosférica da USP. Os CFCs eram usados em aerossóis, espumas plásticas e, principalmente, em equipamentos de refrigeração.

Apesar da resistência, o acordo acabou entrando em vigor -e o escopo relativamente limitado das fontes de CFCs e do poder econômico do setor de refrigeração foram importantes para a efetividade dele.
Em 1991, também foi estabelecido um fundo multilateral para fornecer assistência técnica e financeira para que países em desenvolvimento pudessem cumprir com as medidas do protocolo.

O recente anúncio sobre a restauração da camada de ozônio foi feito após uma avaliação científica que acontece a cada quatro anos, prevista no acordo. Os pesquisadores apontaram que as emissões globais de CFC-11, produto químico proibido usado como refrigerante e em espumas isolantes, diminuíram desde 2018.

O relatório aponta que, se o quadro atual se mantiver, os níveis de ozônio entre as regiões polares deverão retornar até 2040 aos patamares anteriores a 1980. Os buracos na camada protetora vão levar um pouco mais de tempo, mas também devem ser totalmente restaurados: até 2066 na Antártida, e até 2045 no caso do Ártico, onde aparece com frequência menor.

De acordo com o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), a reversão da destruição da camada de ozônio protegeu milhões de pessoas do câncer de pele e da catarata, permitiu que ecossistemas sobrevivessem e desacelerou a mudança climática, ajudando a evitar que as temperaturas globais aumentassem cerca de 0,5°C.

Uma emenda adicionada ao Protocolo de Montreal em 2016 exigia uma redução gradual da produção e consumo de alguns hidrofluorocarbonetos (HFCs). Esses gases não destroem diretamente o ozônio, mas contribuem para o aquecimento global. A estimativa é que essa emenda evite de 0,3°C a 0,5°C de aquecimento até 2100.

Na celebração dos 35 anos do tratado que “consertou” a camada de ozônio, no ano passado, o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, usou o sucesso do acordo como exemplo a ser seguido no combate à crise climática. “Somente espelhando a cooperação e ação rápida do Protocolo de Montreal podemos parar a poluição de carbono que está aquecendo perigosamente nosso mundo.”

Apesar de outros acordos terem sido desenhados para abordar a questão climática, a efetividade ficou muito aquém do desejado. No caso do Protocolo de Kyoto, por exemplo, firmado em 1997, os Estados Unidos se opuseram a ratificá-lo. Na época, o país era o maior emissor anual de gases de efeito estufa, respondendo por 25% das emissões globais, e a recusa americana condenou a eficácia do tratado.

“O Protocolo de Montreal economizou cinco vezes mais emissões equivalentes de carbono do que o Protocolo de Kyoto”, aponta Natalie Unterstell, diretora do Instituto Talanoa de regulação e riscos climáticos. “[Ele] também é bastante significativo em comparação com o que está acontecendo até agora com o Acordo de Paris.”

Ainda que o Acordo de Paris também tenha sido adotado por todos os países, as nações vêm deixando a desejar: ao não cumprir as suas metas de redução de emissões, tornam cada vez mais distante o objetivo de deixar o aquecimento global bem abaixo de 2°C. De acordo com o Relatório de Lacuna de Emissões de 2022, elaborado pelo Pnuma, as políticas em vigor atualmente vão levar a um aumento de temperatura de 2,8°C até o final do século.

Unterstell diz acreditar que a efetividade do acordo firmado no Canadá é calcada no fato de que o documento regula a produção e o consumo de CFCs entre países. “Para o clima, um mecanismo global de preço de carbono poderia ter esse mesmo efeito, mas ele não existe e nem está em discussão.”

“Acho que é possível replicar o sucesso [de Montreal] se houver regulação econômica das causas e dos riscos da mudança do clima. Até agora, os instrumentos da política climática internacional (e até mesmo no Brasil) não são regulatórios”, analisa a especialista.

Já Paulo Artaxo aponta o poder do lobby do setor petroleiro na definição de políticas públicas como o principal entrave para que acordos climáticos prosperem. “A questão das mudanças climáticas é mais difícil de resolver por causa do controle que a indústria do petróleo tem sobre a maior parte dos governos.”

Ele lembra, ainda, que menos de 20 indústrias petrolíferas são responsáveis por cerca de 80% do petróleo extraído em todo o mundo.