1- Adroaldo olhou-se no espelho e viu, em vez do seu rosto, o rosto do seu pai. Não entendeu o que estava acontecendo. Saiu da frente do espelho, mas, segundos depois, retornou. Agora era o rosto do seu avô, em seguida, do seu bisavô, que conheceu só por foto. Novos rostos foram surgindo, provavelmente do seu trisavô, do seu tataravô e do seu penta-avô. Jogou água no rosto e, para sua surpresa, não viu mais rosto nenhum. Seria um sonho, um pesadelo? Piscou inúmeras vezes, até recuperar a sua face. O mistério permaneceu e até hoje o deixa intrigado com essa viagem ancestral que ele fez em uma manhã que tinha tudo para ser mais um dia comum, entediante, sem maiores novidades.
2- Antenor nasceu com uma tatuagem no peito que trazia uma frase que mais parecia uma mensagem: -Nunca atravesse a linha proibida. Quando atingiu dez anos, perguntou ao seu pai que linha proibida era essa que ele não poderia ultrapassar. O seu pai não tinha ideia, muito menos a sua mãe.
Na escola, na aula de educação física, os colegas se aproximavam de Antenor para fotografar o peito franzino do garoto com aquela frase misteriosa. Corria um boato que ele era um ET. Isso lhe causava uma sensação bastante desagradável.
Antenor, quando saía de casa, ficava olhando para o chão, e quando via algum risco no asfalto ou na calçada, evitava ultrapassá-lo. Que linha seria essa? Foi levado pelos seus pais ao psiquiatra que tentou interpretar sem chegar a uma conclusão que pudesse deixar Antenor mais tranquilo.
Antenor, apesar de tímido, e de não ter um físico atlético ou uma aparência sensual, conquistava garotas da sua idade com a maior facilidade, sem fazer o mínimo esforço. O que atraía as mulheres? Seria a tatuagem que nasceu com ele? Antenor casou, teve oito filhos, e todos eles tinham a mesma tatuagem no peito.
Foi convidado para ir a programas de TV. Levava os filhos também. Era uma atração. Passou a cobrar cachê. Muitos diziam que ele havia mandado fazer aquela tatuagem em algum tatuador.
Um dia, ele acordou e a tatuagem havia sumido. As dos seus filhos também. A tatuagem havia cumprido um papel na sua vida. Tirou-o do anonimato. Já os seus filhos tiveram destinos variados. Um se tornou jogador de futebol de um time da terceira divisão de Minas, outro chegou a sargento, um terceiro a cabo, o quarto trabalhou como chapeiro em uma lanchonete. Os outros quatro tiveram morte trágica, em acidentes de moto e de carro. Nunca se soube se aqueles que morreram dessa maneira ultrapassaram a misteriosa linha proibida. Todos se casaram e tiveram filhos que também nasceram com aquela misteriosa tatuagem no peito.
Bom final de semana.
O colaborador é cronista, poeta, autor teatral e professor de redação.