Contraída por Camila Pitanga em SP, malária é confundida com dengue e Covid-19

 (FOLHAPRESS) – Após dez dias de febre e dores no corpo, a atriz Camila Pitanga, 43, temeu o esperado em uma pandemia: uma infecção pelo novo coronavírus.
Mas o exame para Covid-19 veio negativo e, seguindo orientações médicas, ela fez um teste diagnóstico, bem menos comum. A confirmação veio dias depois: ela e a filha, Antônia, 12, estavam com malária, doença contraída na Barra do Una, no litoral norte de São Paulo.
A atriz anunciou o resultado e disse que estava em tratamento com cloroquina, remédio que muito antes de entrar no debate da Covid-19 já era indicado para malária, lúpus e artrose, entre outras doenças.
Rapidamente Camila Pitanga tornou-se alvo de mensagens falsas nas redes sociais que diziam que o diagnóstico de malária era falso e escondia o uso do medicamento para tratamento da infecção por coronavírus. Ela refutou as acusações e divulgou exame negativo para Covid-19.
Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2018 foram notificados 193.838 casos de malária na região amazônica (99,7% do total do Brasil) e 735 no restante do país, dos quais pouco mais de um terço (34%) foram endêmicos, ou seja, contraídos localmente. Em 2019 foram 156.917 casos na região amazônica e 540 fora dela.
A região Sudeste concentrou quase metade das notificações fora da Amazônia. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, em 2020 foram notificados, até junho, apenas dois casos de malária no estado. Em todo o ano de 2019, foram 12 casos.
Diferentemente do mosquito Aedes, que transmite a dengue e é comum em centros urbanos, a espécie Anopheles, responsável pelo contágio da malária, é silvestre e muito mais comum em áreas próximas a vegetações naturais. O condomínio onde Camila Pitanga e sua filha pegaram a doença fica em uma área preservada de mata atlântica.
Algumas espécies não têm por hábito entrar nas casas, por isso o contato é feito quando a pessoa entra na mata. A transmissão pode ser direta (humano para humano) ou com um macaco como hospedeiro intermediário.Existem muitos estudos comprovando a participação de primatas na cadeia de transmissão na mata atlântica, embora eventualmente possa ter contágio de humano para humano.
A bióloga Silvia Maria di Santi, chefe do Laboratório de Malária da Sucen (Superintendência de Controle de Endemias) do Hospital das Clínicas da USP (a unidade de atendimento fica no quarto andar da av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155), ressalta, porém, que não são todas as espécies de primatas envolvidas e que esses animais também sofrem com doenças parasitárias e não devem ser vistos como os vilões.
A malária é uma doença causada por um parasito do sangue, um protozoário do gênero Plasmodium. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 2018 foram registrados 228 milhões de casos de malária no mundo, com mais de 400 mil óbitos. A África subsaariana concentra 93% dos casos e 94% das mortes mundiais.
Existem cinco espécies causadoras de malária em seres humanos: Plasmodium falciparum, P. vivax, P. malariae, P. ovale e P. knowlesi –esta última “pulou” recentemente de macacos para humanos e é restrita ao Sudeste asiático.
A forma mais frequente no Brasil é a P. vivax (89%), mas a maioria dos casos graves da malária são causados por P. falciparum. Esta representa 10% dos casos no Brasil. A terceira e última espécie presente no país é P. malariae (1% dos casos).
Para Santi, que trabalha há mais de 20 anos com a doença, o atraso no diagnóstico pode ser o diferencial entre um quadro grave ou não. Ela explica que muitos dos casos de malária não são identificados rapidamente devido ao padrão nas unidades de pronto-atendimento de testar pacientes com febre alta e dores no corpo para dengue, mais comum em áreas urbanas. Há ainda uma ideia engessada da malária com picos de febre a cada 48 horas, embora o ciclo da doença varie para cada espécie.
Com a Covid-19 e sintomas similares como febre e dores de corpo, a confusão aumenta e pode atrasar ainda mais o diagnóstico certeiro.
O tratamento é feito com antimaláricos e depende da espécie do parasito. Para P. falciparum, é mais comum usar artemisenina, remédio feito a partir de uma planta chinesa, associado a um ou mais medicamentos, porque há resistência à cloroquina.
Já o P. vivax possui uma resposta melhor à cloroquina. São três dias de medicação mais um segundo ciclo de 7 ou 14 dias de primaquina, explica Santi, para matar qualquer parasito latente no fígado.
“O plasmódio no organismo tem primeiro um ciclo no fígado, que não causa sintomas, e um segundo no sangue, onde se alimenta das hemácias. A cloroquina mata rapidamente o parasito no sangue, mas ele pode permanecer no fígado.”
A utilização de compostos derivados de quinino para tratar a malária é muito antiga, explica Erney Camargo, médico pesquisador, atualmente professor aposentado do Instituto de Ciências Biomédicas da USP que descobriu a malária assintomática.
Segundo Camargo, o embate que envolve defensores e críticos da quina (planta a partir da qual se produz a cloroquina) não começou agora na pandemia de Covid-19, mas vem da Idade Média, quando os jesuítas levaram a planta para a Europa. Embora a sua eficácia no combate à malária fosse indiscutível, seu uso não foi aceito nos países protestantes, que rejeitavam qualquer estudo de origem católica. A disputa, novamente, era ideológica, e não científica.
À época, a crença de que as doenças eram resultado do organismo fora de equilíbrio levava a diversos procedimentos não científicos para expulsar o “mal” como sangrias. Por outro lado, a comunidade científica, se valendo de estudos empíricos, constatou que as doenças tinham causas e, portanto, tratamentos específicos. O uso da quina como tratamento de malária foi, assim, revolucionário.
Embora a polêmica da cloroquina seja o uso no combate à Covid-19 sem eficácia comprovada, o uso da quina como medicamento é reconhecido para outras causas. Seu efeito no coração, porém, pede cautela na dosagem.
As doses utilizadas para o tratamento da malária não possuem efeitos colaterais graves, afirma Santi. “É uma dose bem tolerada, mas altas doses podem causar zumbido no ouvido e taquicardia. O tratamento sempre deve ser acompanhado por um médico, de preferência em uma unidade de referência, e nunca, em hipótese alguma, com automedicação.”

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