Auxílio Brasil de R$ 400 cria distorções e beneficia mais famílias menores

***ARQUIVO***São Paulo, SP, Brasil, 19-03-2020: Still objetos. Cartão Bolsa Família. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)

IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A criação de um benefício extraordinário para turbinar temporariamente o Auxílio Brasil e garantir um mínimo de R$ 400 pode levar a distorções e favorecer de maneira desproporcional famílias com número menor de integrantes, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
O pagamento do valor extra foi determinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em medida provisória publicada na terça-feira (7).
Pela lógica do benefício, famílias com apenas uma pessoa na composição vão receber o mesmo valor que aquelas com dois ou mais integrantes. Essa regra torna desigual a distribuição dos recursos.
Do total de 14,5 milhões de famílias contempladas pelo Auxílio Brasil, 13 milhões vão receber o benefício extraordinário e, portanto, ficarão niveladas nos mesmos R$ 400, independentemente do tamanho.
Em setembro de 2021, dado mais recente disponibilizado pelo Ministério da Cidadania, 2,24 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família tinham um único integrante, enquanto 4,7 milhões eram compostas por quatro ou mais pessoas.
“Uma pessoa na faixa de pobreza morando sozinha vai ganhar R$ 400, e uma mãe solo com três filhos pequenos também vai ganhar R$ 400. O valor por pessoa é muito díspar”, diz a socióloga Leticia Bartholo, que foi secretária nacional adjunta de Renda de Cidadania de 2012 a 2016.
O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), também vê retrocesso na fixação de um piso de R$ 400.
Segundo ele, famílias mais pobres são numerosas e têm mais crianças. Dessa forma, precisariam de uma ajuda maior.
“[O valor de R$ 400] Pode parecer uma boa peça de marketing, mas não é um bom programa de combate à pobreza”, afirma Neri. “Acaba não sendo um programa nem social nem econômico, mas sim eleitoral.”
Procurado, o Ministério da Cidadania não comentou as críticas. A pasta disse que “é compromisso desta gestão assegurar uma renda mínima para a população em situação de pobreza e de extrema pobreza, com responsabilidade fiscal”.
O Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família –programa social que foi marca das gestões petistas–, tem em sua estrutura básica três tipos de benefício, pagos conforme o número de integrantes elegíveis.
Famílias maiores tendem a receber valores mais elevados do que aquelas com apenas um integrante, assegurando um valor mínimo per capita e seguindo boas práticas de políticas de combate à pobreza.
A MP publicada na terça, porém, diz que o benefício extraordinário será pago no valor equivalente ao que falta para alcançar o piso de R$ 400.
Em novembro, o tíquete médio pago pelo Auxílio Brasil foi de R$ 224,41, mas há famílias com poucos integrantes ganhando menos de R$ 100.
Na prática, elas receberão um benefício extraordinário acima do que será pago aos lares que, por já terem mais integrantes, recebem um Auxílio Brasil mais polpudo.
Além de desconsiderar o tamanho da família, o benefício extraordinário ignora o grau de carência do beneficiário. Sua renda pode colocá-lo em situação de extrema pobreza –até R$ 105 por pessoa– ou de pobreza –até R$ 210 por pessoa–, mas o valor mínimo da transferência será igual.
Bartholo afirma que o governo Bolsonaro não apontou até agora nenhuma fundamentação técnica para a escolha do valor de R$ 400. “Talvez fosse mais adequado atender a um número maior de famílias com um valor menor”, diz.
Ao menos 2,5 milhões de famílias aguardam inclusão no programa social. Segundo a especialista, há pessoas em situação de extrema pobreza nessa fila.
Como o governo ainda não tem todo o espaço necessário no Orçamento para ampliar o Auxílio Brasil em 2022, esses cidadãos seguem à espera do benefício.
A inclusão só virá após a aprovação total da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios.
Embora a alteração no teto de gastos –regra que limita o avanço das despesas à inflação– já assegure uma folga de R$ 62,2 bilhões, outros R$ 43,8 bilhões a serem abertos dependem do subteto para pagamento de dívidas judiciais da União. A segunda medida aguarda votação de outra PEC no Congresso.
Para Neri, é “inaceitável a essa altura do campeonato” que o governo repita o desenho do auxílio emergencial lançado em abril de 2020, ainda no início da pandemia da Covid-19, com um mesmo valor de R$ 600 para as famílias vulneráveis, independentemente do número de integrantes.
Em 2021, por exemplo, o formato já havia sido modificado para prever pagamentos menores a famílias unipessoais e maiores para mães que cuidam sozinhas dos filhos.
Outra falha, segundo o diretor da FGV Social, é basear a política social novamente em um repasse temporário. O benefício extraordinário será pago em dezembro de 2021 e pode ser estendido até o fim de 2022.
O mais grave, porém, é justamente a disparidade de valores per capita, sobretudo no caso de famílias com crianças. “Você está sendo mais generoso, mas não está enxergando as diferenças de necessidades entre as pessoas”, diz Neri.
Ele chama a atenção para o fato de que a taxa de pobreza na população com idade de 5 a 9 anos é de 19,77%, quase o dobro da média de todas as faixas etárias (10,97%) e mais de sete vezes a taxa observada entre pessoas com 60 anos ou mais (2,57%).
Além disso, o efeito do programa social é mais significativo entre as crianças.
Simulações feitas pelo economista apontam que, sem o Bolsa Família, a taxa de pobreza seria 2,7 pontos porcentuais maior na faixa de 5 a 9 anos. Entre pessoas com 60 anos ou mais, a diferença seria de 0,16 ponto porcentual.
Há ainda o incentivo para que pessoas hoje integrantes da mesma família dividam seus cadastros, apenas para ganhar o novo benefício turbinado.
O Ministério da Cidadania, por sua vez, afirma que “a instituição do benefício extraordinário tem como finalidade apoiar os brasileiros mais vulneráveis na recuperação e no fortalecimento de sua autonomia econômica”.
O ministério diz ainda que o Auxílio Brasil foi pensado como “resposta eficaz” às necessidades dos brasileiros afetados pelas consequências socioeconômicas da pandemia e que o programa “impulsiona a recuperação da economia por meio do repasse direto de recursos às famílias”.

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