ARTIGO – Os trens vão continuar apitando

Imagem ilustrativa

José Gonçalves Canello Filho (Zezo) – Engenheiro Civil – EESC USP 1968

Em Jan/1969 ingressei na CPEF (Cia Paulista de Estradas de Ferro). Passados seis meses assumi o comando da construção da Variante Ferroviária de Santa Gertrudes a Rio Claro e Itirapina, a maior obra de Engenharia Civil já construída na região, que os rioclarenses chamavam de “Linha Nova”.

Tinha comigo que levaria minha missão até o fim, o que aconteceu em Julho de 1974 quando me desliguei da Ferrovia. A Variante estava pronta e já trafegavam até as locomotivas elétricas.

Para chegar a este ponto os desafios foram muitos. Para a desapropriação e problemas jurídicos afins, tive o privilégio de trabalhar com o advogado Dr. Carlos Schmidt Correa.

As questões no campo da geologia foram tratadas com o professor Paulo Landin. No campo de Mecânica dos Solos os especialistas foram os renomados profesores Sigmund Gollombeck, Victor Mello e Arakem Silveira (os dois últimos professores da USP em São Carlos). Com estes, foram vencidos grandes obstáculos advindos dos grandes desníveis topográficos e da variedade de solos existente ao longo do percurso (o Rio Cabeça, divisor geológico limita a NO as areias características da região de Itirapina, a SE as argilas da região de Santa Gertrudes). Ambos os tipos de solo apresentam sérias dificuldades de estabilização de taludes e de drenagem (superficial e profunda).

Na topografia, os desafios não foram menores e as características geométricas do traçado (as mais avançadas do país), exigiram grandes movimentos de terra (aproximadamente 11 milhões de m³) para se alcançar as rampas máxima de 1% e as curvas horizontais com raios mínimos de 1145m. As transposições do Córrego Santa Gertrudes, do Ribeirão Claro, da Rodovia Rio Claro-Piracicaba, do Córrego da Servidão, do Rio Corumbataí e do Rio Cabeça foram vencidas com grandes obras de engenharia com emprego de estruturas metálicas, de concreto armado e concreto protendido, técnica essa ousada para a época. Como o projeto da linha, concebido em via dupla em toda sua extensão, não previa passagens em nível, foram construídas em concreto armado, 5 Passagens rodoviárias Superiores e 13 Passagem Inferiores para atender as estradas secundárias e propriedades rurais seccionadas pelos trilhos.

A montagem da linha foi feita diretamente pela Ferrovia, com a instalação de trilhos soldados nas oficinas de Rio Claro, em segmentos de 300m cada peça, que posteriormentes foram soldados “in loco”, de forma a tornar a via férrea livre dos solavancos característicos das ferrovias de até então. Com o trabalho dos topógrafos, funcionários da Cia Paulista de Estradas de Ferro, os trilhos foram perfeitamente alinhados dentro das características exigidas em pojeto.

A Eletrificação e o Controle de Tráfego Centralizado (CTC) completaram os trabalhos de Engenharia Eletrica e de Sinalização.

A Esplanada de Rio Claro, situada próxima e sob a Rodovia Rio Claro Piracicaba, teve a terraplenagem de projeto totalmente executada. Se equipada adequadamente, comportará todas as manobras necessárias para a perfeita movimentação das composições.

O viaduto da Rodovia Rio Claro a Piracicaba, atualmente duplicado tem vão Livre de 45m e 45º de esconsidade (ângulo formado pelos eixos das duas estradas). Situa-se na extremidade da Esplanada onde a plataforma foi dimensionada para receber sete linhas de bitola de 1,60m. A seguir, depois de passar sob este grande viaduto, em direção a Santa Gertrudes, estavam previsto os acessos às novas oficinas das CPEF.

Durante a minha gestão, com a assessoria do saudoso amigo, o advogado Dr. Carlos Schmidt Correa, havíamos viabilizado a compra da gleba de aproximadamente 300.000 m² com acesso direto à esplanada e ao lado de onde hoje se localiza o Condomínio Residencial Jardim Europa. O objetivo era começar a transferência das Oficinas, simultaneamente ao início da circulação dos trens.

Em fins de 1970, o anteprojeto das oficinas estava concluído. Este, em pouco tempo caiu no esquecimento, acompanhando o declínio das estradas de ferro.

Passados 35 anos, em 2.005, participei de reuniões com o prefeito, empreendedores, arquitetos e outros engenheiros tratando da transferência e das alternativas de localização das Oficinas da Fepasa.

Com a liberação da área central que abrange 23 quadras do mozaico da cidade, ainda hoje ocupadas pelas Oficinas, Rio Claro poderia transformar esse grande espaço em modernos equipamentos urbanos. A malha viária seria “desintoxicada” melhorando de maneira racional a interligação entre os bairros vizinhos. Depois de alguns trabalhos iniciais, esse projeto foi também abandonado.

Lembro-me hoje que ao deixar a Ferrovia, em 1974, acreditava os trens deixariam de circular no centro da cidade em curto espaço de tempo. Sempre pensei que poderia festejar este evento.

Diante deste cenário, é difícil manter essas esperanças. As locomotivas diesel trepidam e apitam dia e noite, para meu desalento. Ao que tudo indica, vou ter que “caprichar” na minha longevidade para que ainda um dia consiga ver a cidade livre desses transtornos.

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