Alemanha, França e Itália também suspendem vacina de Oxford; OMS diz que risco de não imunizar é maior

ANA ESTELA DE SOUSA PINTO E ANA BOTTALLO – BRUXELAS, BÉLGICA, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal, Irlanda e Holanda se uniram a outros oito países europeus -Dinamarca, Noruega, Islândia, Áustria, Estônia, Lituânia, Letônia, Romênia, Bulgária e Luxemburgo- e um asiático -Indonésia- e suspenderam temporariamente a aplicação de vacinas Oxford/AstraZeneca contra a Covid-19 para se certificarem de que elas não têm ligação com efeitos colaterais mais graves.

As suspensões começaram na semana passada, após casos de morte por trombose na Dinamarca e na Áustria, e se ampliaram apesar de recomendações contrárias tanto da OMS (Organização Mundial da Saúde) quanto da EMA (agência regulatória europeia).

As duas entidades afirmam que os dados disponíveis até agora não indicam uma proporção de casos maior que a que ocorre na população em geral -de um caso a cada mil indivíduos, aproximadamente. Grupos de especialistas de ambas as organizações se reúnem nesta terça (16), separadamente, para avaliar as informações disponíveis e emitir novas recomendações.

Segundo a responsável por vacinas da OMS, Mariângela Simão, os lotes sobre os quais foram relatados problemas foram distribuídos apenas na Europa. Não há suspeitas de problemas com os imunizantes fabricados na Índia -que fornece para o Brasil- e na Coreia do Sul -de onde virão as vacinas da AstraZeneca adquiridas pelo país no consórcio Covax.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirmou que está acompanhando e buscando informações junto às autoridades internacionais sobre possíveis eventos adversos relacionados ao uso da vacina de Oxford. Por meio de sua área internacional, a agência solicitou informações sobre a investigação promovida na Europa.

Nas bases nacionais que reúnem os eventos ocorridos com vacinas não há registros de embolismo e trombose associados às vacinas contra a Covid-19, segundo a Anvisa.

Nesta segunda (15), a cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan, afirmou que é esperado que as redes de vigilância acompanhem alertas de efeitos colaterais de medicamentos e vacinas, e que nenhum deles está 100% livre de provocar reações.

O fundamental, segundo ela, é comparar o risco de ter uma complicação por causa da vacina com o de adoecer gravemente ou morrer por não ter sido imunizado.

“Mais de 300 milhões de pessoas já foram vacinadas no mundo até agora e não há nenhum caso documentado de morte relacionado às vacinas. Por outro lado, 2,6 milhões de pessoas já morreram de Covid-19 desde o começo da pandemia”, afirmou Swaminathan.

Esta é a segunda vez neste ano em que diversos países europeus paralisam a administração das vacinas de Oxford/AstraZeneca preventivamente. Em fevereiro, Alemanha e França, entre mais de dez países, bloquearam o uso do produto em idosos, argumentando que faltavam informações sobre seu efeito nessa faixa etária.

Os países voltaram atrás no começo de março, após a publicação de dados que indicavam boa proteção da vacina em idosos no Reino Unido, onde ela tem sido usada sem restrições.

Mais de 10 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca já foram aplicados pelo governo britânico e outros 7 milhões de doses, na Europa.

De acordo com a fabricante, foram relatados até agora 15 casos de trombose venosa profunda (TVP) e 22 eventos de embolia pulmonar, índices “muito menores do que seria esperado que ocorressem naturalmente na população em geral”.

Phil Bryan, líder de segurança de vacinas da agência regulatória britânica (MHRA), a primeira a aprovar o imunizante em dezembro do ano passado, afirmou que sua equipe está “revisando os relatórios de perto, mas as evidências disponíveis não sugerem que a vacina seja a causa”.

A trombose é uma doença que leva à formação de coágulos geralmente nas veias das pernas ou da pelve. As principais causas são a chamada estase venosa (diminuição do fluxo venoso), lesões na parede da veia (geralmente devido a traumas) e alterações da coagulação do sangue.

Segundo Jon Gibbins, diretor do Instituto de Pesquisa Cardiovascular e Metabólica da Universidade de Reading (Reino Unido), a trombose venosa é relativamente comum, afetando de uma a duas pessoas em 1.000. Esse número pode aumentar com a idade e por causa de antecedentes como tabagismo, hipertensão arterial, trauma, câncer, uso de contraceptivos orais e terapias de reposição hormonal.

De acordo com Gibbins, a Alemanha está investigando casos de trombose venosa cerebral, um tipo raro de trombose que afeta 5 em 1 milhão de pacientes e causa um acidente vascular cerebral. “Geralmente ocorre em pacientes com plaquetas anormais que podem se tornar hiperativadas em certas circunstâncias.”

O professor afirmou que as circunstâncias específicas na Alemanha ainda não estão claras, e eles aconselham que qualquer pessoa com dores de cabeça graves e persistentes ou sangramento cutâneo por picada de agulha procure atendimento médico com prioridade.

Segundo o Ministério da Saúde da Alemanha, a paralisação foi adotada depois que a autoridade responsável por vacinas no país afirmou que “considera necessárias mais investigações após novos relatos de trombose cerebral em conexão com a vacinação na Alemanha e na Europa”.

O ministro da Saúde, Jens Spahn, afirmou que houve sete casos relatados, um “risco muito baixo” em comparação com o 1,6 milhão de doses já aplicadas no país.

O presidente francês, Emmanuel Macron, também atribuiu a suspensão a “medidas de precaução”. Na Itália, onde a aplicação da vacina já havia sido retomada, por orientação da EMA, na semana passada, o uso foi de novo interrompido nesta segunda, à espera do comunicado desta terça.

Na Espanha, a agência de medicamentos anunciou nesta segunda que pararia a aplicação de vacinas da AstraZeneca por 15 dias, embora não haja registro de casos graves no país.

Segundo o órgão, foram administradas mais de 769.415 doses a vacina no país, e o número de eventos relatados era muito menor do que os casos esperados na população. A interrupção, porém, foi decidida depois de um relato de caso de trombose cerebral.

De acordo com o presidente do comitê de saúde pública da Associação Britânica de Medicina, Peter English, não é incomum que a introdução de uma nova vacina seja interrompida por relatos de eventos adversos.

“É um sinal de que os sistemas de monitoramento de reações adversas estão funcionando; mas, em geral, não indica que as reações estejam sendo causadas pelas vacinas”, afirmou.

Segundo ele, além de comparar as incidências de casos, é preciso entender se há relação causal entre a vacina e os efeitos adversos.

Para a OMS, é preciso tomar cuidado para não causar pânico e criar preconceito indevido na população contra as vacinas.

Na Bélgica, por exemplo, país que decidir continuar normalmente com as aplicações do imunizante da AstraZeneca, o governo afirmou que houve cancelamentos de vacinação após novas notícias sobre suspensões. Os números não foram informados.

Áustria, Romênia, Bulgária e países bálticos suspenderam a aplicação de um lote específico relacionados à morte de uma enfermeira austríaca, e não de todas as vacinas da AstraZeneca. Esse lote, de 1 milhão de doses, foi enviado a 17 países.

No Brasil, o Ministério da Saúde também estima a ocorrência de trombose em uma a cada mil pessoas. Estudo de 2015 do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu estima a incidência de embolia pulmonar, evolução mais grave da trombose, com formação de coágulos no sangue, em 3,9% a 16,6% da população.

Relatos de embolia pulmonar e de eventos tromboembólicos em decorrência da Covid-19 já foram reportados. Por isso, pode ser também que esses eventos estejam relacionados à Covid, e não à vacina. Não há relatos, até o momento, de qualquer vacina que cause o fenômeno.

“Os distúrbios de coagulação, tanto os que causam derrames quanto os que causam sangramento ou trombocitopenia, um número reduzido de plaquetas no sangue, são muito comuns em pacientes com Covid-19”, afirma Stephen Evans, professor de farmacoepidemiologia da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Como ainda não há evidência de que as tromboses tenham sido provocadas por vacina, mas já é certeza de que a Covid causa distúrbios de coagulação, “é extremamente provável que o benefício da vacina supere notavelmente qualquer risco de distúrbios de coagulação, até porque ela evita outras consequências da Covid, como a morte”.

Evans considera “inteiramente razoável” que sejam feitos estudos detalhados sobre as vacinas e as tromboses, mas diz que impedir as pessoas de se imunizarem “parece um passo longe demais” com as informações disponíveis.

Para Renato Kfouri, presidente do departamento de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por se tratar de vacinas em uso há pouco tempo, é preciso investigar os casos de maneira cuidadosa, mas nunca houve associação de eventos tromboembólicos com vacinas.

“É importante lembrar que estamos vacinando muita gente, então muitas pessoas vão sofrer infartos, outros problemas de saúde que teriam de qualquer forma”, diz Kfouri. Segundo o pediatra, não há um mecanismo descrito de vacinas alterando a coagulação sanguínea e, consequentemente, aumentando ou favorecendo esse risco.

Reações inflamatórias e até doenças associadas a essas inflamações já foram reportadas como eventos adversos às vacinas, e essa poderia ser uma hipótese para a aparente associação, ainda não comprovada, da vacina com a trombose.

“Mas o que se imagina é que eventualmente a resposta inflamatória que as vacinas levam para produzir a resposta imunológica possa ter algum grau de agressão ao vaso sanguíneo. Mas isso é teórico. Os fenômenos tromboembólicos se dão por alteração na veia ou artéria, e essas estimativas até hoje não foram demonstradas.”

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