(Foto: Divulgação Redes Sociais)

REINALDO JOSÉ LOPES
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – O físico carioca Sérgio Mascarenhas de Oliveira, um dos arquitetos da transformação do interior paulista num dos principais polos científicos do país, morreu em Ribeirão Preto (SP), no dia 31 de maio, aos 93 anos.

Mascarenhas ajudou a transformar o então nascente campus da USP em São Carlos num dos grandes centros de pesquisa do Brasil na área de física do estado sólido (envolvendo áreas como condutores e cristais, com importantes aplicações tecnológicas).

Também foi figura-chave na criação e implantação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), hoje a 12ª melhor universidade brasileira, segundo o Ranking Universitário Folha, e da Embrapa Instrumentação Agropecuária, voltada para a criação de tecnologias inovadoras para o agronegócio.

O pesquisador e sua então mulher, a também cientista Yvonne Primerano Mascarenhas, ainda não tinham completado 30 anos quando fizeram pela primeira vez a longa jornada entre o Rio de Janeiro e São Carlos, em fevereiro de 1956.
Mascarenhas e Yvonne (então com o primeiro filho no colo e a segunda na barriga) precisaram pegar dois trens diferentes num trajeto de 24 horas de duração, já que as estradas asfaltadas da época chegavam só até a Rio Claro, a 65 quilômetros de distância. Na nova cidade, a família cresceria para um total de quatro filhos e dez netos.

“Encontramos um bom laboratório de ensino de física, com equipamentos de origem alemã, e um aparelho de raios X médico no porão. Sérgio conseguiu trocá-lo por outro, mais adequado aos nossos objetivos”, contou Yvonne a este repórter, em entrevista publicada em 2017 na revista Pesquisa Fapesp.

A partir desse começo modesto, Mascarenhas conseguiu desenvolver um portfólio diversificado de pesquisas, com interesses que iam dos efeitos ópticos da estrutura de cristais ao papel da eletricidade em mudanças de fase (grosso modo, mudanças de “estado da matéria”, como a que leva do estado sólido ao líquido).

Ele tinha certa vocação para polímata e interesses diversificados, que o levavam a tentar aplicar suas descobertas em áreas tão diferentes quanto a medicina e a agronomia. Também tinha fascínio pelos aspectos mais filosóficos de sua área e atuou com frequência como divulgador científico.

“A ciência é mesmo universal e a natureza ‘não sabe’ que existe física, biologia, engenharia, somente os pobres cientistas unidisciplinares, os currículos e capítulos de livros didáticos”, declarou ele à jornalista Mariluce Moura, também na revista Pesquisa Fapesp.

Até os problemas de saúde o motivavam a fazer ciência inovadora. Foi o que aconteceu em 2006, quando o pesquisador recebeu um diagnóstico de hidrocefalia (acúmulo de líquido no cérebro) e ficou inconformado quando soube que seria preciso furar seu crânio para instalar lá dentro um sensor, com o objetivo de medir a pressão intracraniana.

Trata-se, é claro, de um procedimento muito invasivo, que continua a ser realizado porque, durante muito tempo, acreditava-se que a rigidez dos ossos cranianos impedia que a pressão interna do crânio fosse medida do lado de fora dele.

Mascarenhas pôs-se a examinar a questão com a ajuda de seus orientandos e conseguiu demonstrar que o dogma estava errado: com a ajuda de um aparelho relativamente simples, é possível medir a pressão intracraniana de forma não invasiva.

As descobertas acabaram dando origem a uma empresa de tecnologia médica chamada Braincare, cujo objetivo é usar as medições como ferramenta para acompanhar uma série de problemas de saúde que afetam os sistemas nervoso e cardiovascular, como traumatismo craniano e aneurismas.

“Queremos que seja possível fazer medicina com base em evidências quantitativas. Essa é a chave do nosso trabalho. Conseguimos mostrar que a pressão intracraniana não é um número: é um espectro, que varia ao longo do tempo, como um eletrocardiograma. E isso nos dá uma série de informações sobre o estado do sistema nervoso central”, declarou o pesquisador ao jornal Folha de S.Paulo em 2018.

Na época, ele apontava as dificuldades que cercavam o trabalho de pesquisa no país, as quais só se agravaram desde então. “A situação no Brasil para quem faz ciência e tecnologia está muito complicada. A gente faz inovação, cria coisas novas, mas é difícil conseguir levar isso para o mercado”, dizia.

Ildeu de Castro Moreira, físico da UFRJ e presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), instituição da qual Mascarenhas era também presidente de honra, destacou o papel do pesquisador no surgimento de várias gerações de cientistas brasileiros.

“Sérgio, um ser humano fantástico, um educador incansável, um cidadão brasileiro íntegro e atuante politicamente, fará muita falta”, declarou ele.

Vanderlei Bagnato, diretor do IFSC (Instituto de Física da USP de São Carlos), “casa” acadêmica de Mascarenhas, destacou a dedicação do cientista à inovação e ao impacto social da pesquisa.

“Foi inovador desde o início. Mesmo antes de falarmos sobre isso, já usava o conhecimento científico como ferramenta essencial para o desenvolvimento. Inconformado com a grande desigualdade social no Brasil, lutou sempre para que a ciência fosse o veículo da mudança desse quadro”, escreveu Bagnato.

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